A Sra Theresa May.

No momento em que este texto é escrito, a primeira-ministra britância, Theresa May, está envolvida em dois complexos processos negociais, qual deles o mais difícil, qual deles capaz e suscetível de lhe poder vir a custar o cargo. Perguntar-se-á o que temos nós, portugueses, a ver com isso? Já tentei responder anteriormente, em textos aqui publicados nesta coluna regular, explicando que, neste mundo globalizado e cada vez mais interdependente, e sobretudo nesta Europa que, apesar de tudo persiste em dizer-se da União, não nos podemos dar ao luxo de nos declararmos estranhos, estrangeiros ou alheios ao que quer que, de relevante, se passe em qualquer dos países com os quais mantemos relações de associação, vizinhança e proximidade, sejam elas meramente geográficas ou, verdadeiramente, políticas. Creio que este é mais um desses casos. Vejamos:

No plano estrito da política interna britânica, May tenta sobreviver ao desastre eleitoral que se autoinfligiu quando, num momento de irracional deslumbre e autoconvencimento decidiu antecipar as eleições legislativas, fiada nas sondagens e crente nos mais de vinte pontos percentuais que aparentava ter de vantagem sobre os trabalhistas. Por razões conhecidas, os cálculos saíram-lhe furados e a busca de uma maioria absoluta maior do que aquela de que dispunha transformou-se na perda dessa mesma maioria, no quadro de um hung parliament, levando à necessidade de ter de ser construída um pouco comum (em termos britânicos) acordo de incidência parlamentar para apoio governamental. É essa coligação ou acordo parlamentar que May tentou cerzir, com muito custo e dificuldade, socorrendo-se da dezena de deputados unionistas irlandeses que lhe poderão garantir o mínimo de votos em Westminster necessários para governar. O quadro, todavia, apresenta-se cinzento. As primeiras notícias dão conta de que May terá comprado (uso o verbo, deliberadamente, sem aspas) o apoio dos unionistas irlandeses por cerca de mil milhões de libras, qualquer coisa como 1,25MM€. É uma verba muito significativa a ser gasta ou investida na Irlanda do Norte o que, de imediato, suscitou os óbvios e naturais protestos das restantes nacionalidades britânicas – galeses e escoceses. Mas esta não é a única dificuldade que uma aproximação aos unionistas irlandeses pode suscitar. Para compreender o que está em causa, teremos de recuar aos célebres Acordos da Sexta-Feira Santa, outorgados em Belfast em 10 de abril de 1998 pelos governos britânico e irlandês e apoiado pela que tiveram por finalidade acabar com os conflitos entre nacionalistas maioritariamente católicos e unionistas predominantemente protestantes, sobre a questão da união da Irlanda do Norte com a República da Irlanda, ou sua continuação como parte do Reino Unido. Acordos que, recorde-se, acabariam por ser sufragados e aprovados em referendos separados, nas duas Irlandas. Independentemente das tecnicidades jurídicas destes Acordos, dos mesmos relevou um dado político que, nos últimos dias tem sido sobejamente relembrado: o compromisso do governo de Londres de se manter rigorosamente neutral e equidistante face às questões e divergências irlandesas. Ora, ao buscar apoio para governar, em Londres, nos deputados eleitos por uma das partes daqueles Acordos, pelos protestantes unionistas, contrários à União Europeia e conservadores numa série de políticas, não falta quem lembre ou recorde que é o próprio compromisso inglês que pode vir a estar em causa. O compromisso da isenção. Da equidistância. Do equilíbrio. Ao ganhar estabilidade em Londres, May pode estar a abrir a porta da instabilidade com Belfast e Dublin.

Em paralelo com este acordo no plano da política interna, o governo de May começou a negociar há uma semana a concretização do brexit. Também aqui a senhora May aparece, indubitavelmente, enfraquecida e politicamente diminuída. Quis reforçar o seu poder, mas os britânicos, nas urnas, reduziram-no. É, assim, uma primeira-ministra politicamente débil que se senta perante os negociadores europeus, ela que sonhou desfrutar de condições que lhe permitissem impor o seu muito sonhado “hard brexit”. Terá de se contentar, na melhor das hipóteses, com um “soft brexit” – admitindo que chegará a haver brexit….. Donald Tusk, o Presidente do Conselho Europeu, no início da cimeira da passada semana, deixou clara a mensagem de que o projeto europeu é filho do sonho, da ousadia e da ambição. E que, relativamente ao brexit, ele ainda não tinha perdido o sonho….

Nestas negociações, difíceis e complexas, o primeiro dossier em cima da mesa prende-se com as pessoas, a liberdade de circulação e os direitos de cidadãos europeus já radicados no Reino Unido, bem como os daqueles que, depois da saída britânica se pretenderem radicar no Reino. A primeira proposta que May se prepara para levar às negociações é deveras ambígua. Quer no que respeita aos cidadãos já residentes há menos de 5 anos quer no que respeita aos que, após o brexit, se pretenderem instalar no Reino Unido. E a simples cláusula da reciprocidade, que Londres pretende consagrar, afigura-se como escassa e limitada para o que está em causa. E o mesmo se diga sobre o papel que, neste domínio, Londres recusa que seja desempenhado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia. Theresa May confirmou ainda que não quer que seja o Tribunal de Justiça da União Europeia a ter a última palavra sobre os direitos dos cidadãos europeus depois do “Brexit” – cláusula que se afigura de todo inaceitável para a União Europeia, por pôr em causa um dos principais pilares do sistema jurídico europeu. As próximas semanas vão-nos trazer, inevitavelmente, novidades nestas matérias.

Em qualquer dos casos referidos, em ambas as situações, a vida de Theresa May não se afigura fácil e os seus dias de graça há muito que caíram em desgraça. O que significa, inequivocamente, que terão de ir sombrios os dias do governo britânico. O que, independentemente das posições que o mesmo possa assumir em matérias de política interna ou externa, é sempre uma má notícia para a Europa. Porque, quer dentro quer fora do projeto europeu, não deixamos de estar a considerar o governo de uma das grandes potências europeias atuais. Enganam-se, pois, os que jogam e apostam no enfraquecimento do Reino Unido como condição para o benefício da União Europeia. A ser assim, seria erro crasso.

The Hung Parliament

Há precisamente um ano, na sequência duma decisão bizarra e incompreensível do então Primeiro-Ministro britânico, David Cameron – que, de resto, acabaria por lhe custar o cargo e a carreira política – o Reino Unido enfrentava uma campanha eleitoral para o referendo que iria decidir da continuidade, ou não, do Reino na União Europeia. O resultado é conhecido: a maioria dos britânicos optaram pelo brexit, escolhendo sair da União.
A primeira consequência deste referendo, recorde-se, foi a demissão de David Cameron da liderança do governo britânico. Para dar cumprimento ao resultado eleitoral, impunha-se que o governo britânico encetasse o processo de separação de Bruxelas. Cameron, que tinha apostado todas as suas fichas no “remain”, não tinha condições, nem pessoais nem politicas, para continuar no nº 10 de Downing Street. Surpreendentemente, a bancada conservadora em Westminster acabou por escolher para liderar o governo a, até então, responsável pela administração interna nos governos de Cameron, Theresa May.
Theresa May que, no referendo acabado de realizar, havia militado na causa do seu Primeiro-Ministro e havia-se comprometido em favor da permanência do Reino na União Europeia. A perplexidade foi imediata – a condução de todo o processo de separação do Reino Unido da União Europeia iria ser confiado a alguém que, semanas antes, se havia empenhado em defender justamente o contrário, isto é, a permanência do Reino na União Europeia. Foi um começo pouco fiável e nada de molde a justificar grandes entusiasmos. Seguidamente, seria a própria nova Primeira-Ministra a, reiteradamente, afirmar que se sentia confortável com a maioria absoluta de que dispunha na Câmara dos Comuns, herdada de Cameron, e que, por isso, não tencionava convocar eleições legislativas antecipadas.
Em Abril passado, porém, prestes a iniciar as conversações com Bruxelas, numa altura em que os estudos eleitorais davam mais de vinte pontos percentuais de vantagem aos conservadores sobre os trabalhistas de um Jeremy Corbyn pouco menos do que desacreditado, May vislumbrou uma janela de oportunidade para reforçar a sua maioria, dizimar o seu adversário e fortalecer o seu poder. Violando a palavra dada, convocou eleições legislativas que decorreram na passada semana. E, contrariamente às expectativas de que partiu, em vez de reforçar a sua maioria absoluta, perdeu-a; em lugar de aniquilar o seu adversário, reforçou-o; querendo fortalecer o seu poder, acabou enfraquecida. Pela segunda vez em menos de um ano, o eleitorado trocou as voltas aos Primeiros-Ministros britânicos e puniu May como há um ano tinha punido Cameron – qual deles o menos hábil a interpretar e avaliar o sentido e o sentimento do eleitorado britânico. É certo que, desta feita, houve razões acrescidas para essa punição eleitoral que recaiu sobre May: a falta à palavra dada; a tergiversação em matéria de princípios e valores; a postura arrogante assumida durante a campanha eleitoral; propostas eleitoralmente mal apresentadas, nomeadamente de natureza fiscal; a colagem, em matéria de política externa, às errâncias de Donald Trump. E, obviamente, a questão do terrorismo; sobretudo tendo sido May, durante seis anos, a ministra responsável pela pasta da segurança interna.
Esta errada avaliação eleitoral, da exclusiva responsabilidade da Primeira-Ministra britânica, acabou por estar na origem daquilo que os britânicos designam por um “parlamento suspenso” (um “hung parliament”) – um parlamento sem maioria absoluta de nenhum partido, num país com um sistema eleitoral maioritário a uma volta, propenso à emergência de um sistema partidário de bipartidarismo tendencialmente perfeito. Os conservadores perderam a sua maioria absoluta mas, continuando a ser o partido mais votado, persistiram na indicação de Theresa May para a liderança de um governo minoritário que, tudo o indica, alcançará a maioria através de um entendimento parlamentar com os unionistas da Irlanda do Norte (DUP). É, num primeiro momento, uma aliança eivada de espinhos que podem vir a revelar-se fatais com o decurso do tempo. Uma vez mais, mais do que na questão das políticas internas, será na postura face ao brexit que se podem vir a revelar as maiores contradições deste acordo de conveniência, necessariamente a prazo. E nem parece improvável que as primeiras e mais graves contradições surjam de dentro do próprio Partido Conservador. De resto, já há notícias de movimentações internas as quais, se num primeiro momento até poderão permitir o surgimento de um novo gabinete de May, a médio prazo poderão torná-lo completamente inviável, sacrificando a sua própria liderança. Mais do que nunca, Theresa May deverá sentir-se uma Primeira-Ministra a prazo. E a prazo curto.
E o calendário promete não a ajudar. Se a apresentação do seu programa de governo (o célebre “Queens Speech”, discurso da Rainha que apresenta o programa e as diretivas do governo para o ano legislativo subsequente) já foi adiado “sine die”, para o início da próxima semana estão agendadas as primeiras conversações entre o Reino Unido e a União Europeia para concretização do brexit. Será o grande desafio que o próximo governo vai ter pela frente. E será um governo enfraquecido eleitoralmente, diminuído politicamente e minoritário partidariamente que terá de enfrentar o maior desafio político do Reino Unido desde o final da segunda guerra mundial.
Num quadro de tanta indecisão, de tanta indefinição e de tanta turbulência, não será risco demasiado voltarmos a uma convicção que já anteriormente tivemos oportunidade de expressar – há brexits que estão condenados a concretizarem-se como …… remains.

Vai o Reino Unido mudar?

Amanhã o Reino Unido vai a votos.
Na sequência do resultado do referendo sobre a permanência na União Europeia, que ditou o Brexit, e do consequente abandono do poder por parte de David Cameron, a primeira-ministra Theresa May optou por dissolver a Câmara dos Comuns para relegitimar o seu governo, reforçar a sua maioria e refrescar a sua liderança. Tudo para, em seu dizer, se encontrar em posição mais vantajosa para negociar com Bruxelas as condições de saída do Reino da União. Quando dissolveu a Câmara, as sondagens eram-lhe simpáticas: mais de vinte pontos percentuais de vantagem sobre um Partido Trabalhista anémico, radicalizado à esquerda em torno da liderança de um pouco ou nada carismático Jeremy Corbyn. May avaliou as suas possibilidades e arriscou. No entretanto, políticas internas mal percebidas ou mal explicadas, uma dose inesperada de arrogância que a levou a recusar debates eleitorais em que se fez substituir, uma colagem em muitos pontos da política externa às posições de Donald Trump e, sobretudo, a onda de ataques terroristas que teve obrigou a suspender a campanha eleitoral por duas vezes, na sequência dos ataques de Manchester e da London Bridge do passado sábado – tudo contribuiu para baralhar as opiniões e as sondagens, a ponto de, no momento em que este texto é escrito, a menos de 24 horas da abertura das urnas, os últimos números disponíveis apontem para a perda da maioria absoluta dos tories em Westminster e, necessariamente, para o surgimento de um governo mais débil, de uma maioria provavelmente só alcançada através de acordos parlamentares, ou seja, todo o contrário daquilo que Theresa May pretendia ao convocar estas eleições legislativas antecipadas.
Não seria, de resto, a primeira vez que tal sucederia. No referendo do ano passado, convocado por Cameron – e que, indiretamente, foi responsável por tudo o que se passou daí para cá em termos de estabilidade governativa britânica – a história foi a mesma: uma má avaliação do sentir e do sentimento de um povo, uma má perceção da tendência do eleitorado, que acabou por lhe custar a carreira política e mergulhar o Reino Unido no pântano de indefinição em que hoje se encontra. Theresa May que, recorde-se, no referendo do ano passado se destacou como defensora da permanência do Reino na União Europeia para, depois da queda de Cameron, acabar por aceitar liderar um governo que tinha como eixo central da sua existência fazer exatamente o oposto daquilo que ela própria defendeu e negociar com Bruxelas a saída do Reino da União, estará a ser vítima da sua própria errância política e da sua própria incoerência política. Tentou sanar ambas com o beneplácito do eleitorado e do sufrágio popular. Poderá estar a horas de ter de reconhecer ou admitir que a sua estratégia terá falhado.
Daí que, para respondermos à questão com que titulámos este texto – vai o Reino Unido mudar? – a nossa resposta só possa ser a de um receio de que, a haver mudança, a mesma seja em sentido negativo e na direção errada.
Dir-se-á – em que é que tudo isto nos toca ou nos interessa? Num mundo cada vez mais globalizado, toca-nos e interessa-nos de sobremaneira. Nós não votamos no Reino Unido nem escolhemos deputados para Westminster. Mas não nos podemos dar ao luxo de pensar que o que por lá acontece nos é estranho, alheio ou indiferente. Estamos perante uma eleição que vai influenciar significativamente o futuro da Europa na medida em que, qualquer que venha a ser o governo saído da mesma, a sua tarefa principal continuará a ser negociar as condições do brexit; nessa medida, nunca deixaremos de ser afetados pela decisão que os britânicos vierem a tomar. Estarmos atentos ao que por lá se vai passando é o mínimo que se nos pode exigir, em nome dos nossos próprios interesses e da nossa própria condição cidadã.

A trilogia eleitoral

Amanhã, quinta-feira, a atenção política europeia vai centrar-se no Reino Unido: os britânicos voltam a ir às urnas, ainda que desta vez num contexto especial. O acto eleitoral foi convocado pela primeira-ministra Theresa May para reforçar e relegitimar o seu governo que tem pela frente a espinhosa tarefa de negociar e concretizar um Brexit escolhido, há precisamente um ano, na sequência de uma consulta popular convocada pelo então primeiro-ministro David Cameron.
Não chegasse, todavia, este particular contexto envolvente do acto eleitoral de amanhã, dá-se ainda o caso de o mesmo nos aparecer, inevitavelmente, condicionado pelos atentados terroristas que o Reino Unido tem sofrido – em Londres, em Manchester e, no passado fim-de-semana, de novo na capital britânica.
Ambos os factos – a postura de Theresa May ante o Brexit, ela que fez campanha pelo “Remain” no referendo do ano passado e, de repente, viu-se a braços com a liderança de um governo que tinha por principal tarefa, justamente, concretizar o Brexit; e a escalada do terrorismo islâmico radical e extremista no Reino Unido, contra o qual todo o empenho e perseverança da polícia britânica se tem revelado insuficiente – são suficientes para deixar em aberto todas as previsões sobre qual poderá vir a ser o veredicto das urnas, pese embora, à data de convocação deste acto eleitoral, os conservadores beneficiassem de mais de vinte pontos percentuais de vantagem sobre os trabalhistas.
Porém, a sucessão recente de erros do governo de May e a sua postura arrogante, por exemplo recusando participar em quaisquer debates eleitorais, poderão custar-lhe uma maioria em Westminster tão confortável como aquela de que presentemente beneficia. E assim, paradoxalmente, umas eleições que foram convocadas para darem suporte a um governo fortalecido e relegitimado eleitoralmente poderão acabar por conduzir a um governo comparativamente mais débil, menos forte e em condição mais desvantajosa para negociar com Bruxelas a saída do Reino da União. No fundo seria, a outra escala, a repetição do acontecido há um ano com a convocação do referendo sobre o Brexit por David Cameron: as previsões saíram furadas, o tiro saiu pela culatra. O eleitorado afirmou, de forma inequívoca, que nem sempre os governantes de turno sabem interpretar o seu sentir. O que sucedeu no referendo do ano passado, poderá vir a repetir-se nas eleições de amanhã. Não seria surpreendente.
Mas logo a seguir às eleições britânicas, teremos no próximo domingo, outro acto eleitoral de extraordinário relevo para a Europa – a primeira volta das eleições legislativas francesas.
Será o primeiro teste verdadeiro à recém-estreada presidência de Emmanuel Macron e, sobretudo, à capacidade que este teve, ou não, para dar um mínimo de forma institucional ao amplo movimento político e de cidadania que há poucas semanas o conduziu ao Eliseu. Macron tornou-se Presidente da República de França mercê de uma improvável conjugação de votos que cortou transversalmente a sociedade francesa, do centro-esquerda ao centro-direita. Beneficiou de muitos votos negativos, sobretudo daqueles que descreram no sistema político-partidário francês – desde os que quiseram recusar Le Pen aos que pretenderam censurar Fillon e penalizar Hollande e os respectivos partidos. O desafio que o novo Presidente tem, agora, pela frente, traduz-se em conseguir que o seu “La République En Marche” fidelize e sustenha uma parte significativa dos votos que ele reuniu. Se o conseguir fazer, nomeadamente se lograr uma maioria absoluta na Assembleia Nacional, a sua tarefa de governação será significativamente simplificada; se não lograr alcançar este desiderato e tiver de encetar uma política de alianças num parlamento previsivelmente mais fragmentado, com elevada representação da Frente Nacional, com os partidos tradicionais do sistema – republicanos gaullistas e socialistas – debilitados e enfraquecidos e uma extrema-esquerda previsivelmente bem representada, a tarefa da governação começará a complicar-se. Desde logo porque será necessário negociar uma maioria parlamentar que suporte o próprio governo.
A primeira volta destas eleições legislativas, a realizar no próximo domingo, já nos dará um cenário minimamente consistente que permita antecipar o resultado final e a composição definitiva da Assembleia Nacional francesa. A política europeia dos próximos anos vai depender, também, muito daquilo que vier a ser essa composição e das condições de governabilidade de que o Presidente francês venha a dispor.
E para completar a “trilogia” eleitoral teremos de esperar pelo próximo mês de Setembro – quando os alemães forem às urnas para eleger o seu Parlamento donde sairá o seu próximo governo. Decerto – ainda falta muito tempo para esse acto eleitoral. Mas é inquestionável que estas três eleições legislativas nos três (ainda) principais Estados da União Europeia, a par das passadas eleições presidenciais francesas, irão determinar parte significativa da Europa dos tempos próximos. E determinando o futuro da Europa, é o nosso próprio futuro que estará em jogo e em causa. Desengane-se, pois, quem pensar que se tratam de actos eleitorais relativamente aos quais nos poderemos dar ao luxo de sermos alheios ou indiferentes.
Em nenhum deles poderemos votar. Mas é inegável e inquestionável que, todos eles, no seu conjunto, nos afectam, nos dizem respeito e condicionarão e determinarão o nosso futuro.

A Europa da defesa

A última cimeira informal de chefes de Estado e de Governo da União Europeia, ocorrida em Brastilava – com a particularidade de reunir apenas 27 dos 28 líderes europeus posto que, realizando-se para, supostamente, abordar o pós-Brexit, não contou com a presença da primeira-ministra May – surpreendeu a generalidade dos observadores quando, por forte influência de Hollande, resolveu erigir a questão da defesa comum europeia num dos temas centrais que ocupou os chefes de Estado e de Governo dos 27.
Não porque a questão da defesa europeia seja assunto menor ou tema irrelevante. Bem pelo contrário! Acontece, porém, que para a União Europeia se lançar numa tarefa de tal forma grandiosa e de tal magnitude como a de lançar as bases para a edificação de um projecto comum de defesa europeia, tal supõe a existência prévia de um consenso político que está muito longe de coincidir com aquele que a Europa da União actualmente conhece. Ocorre, aliás, recordar, que não é esta a primeira vez que a Europa tenta lançar e construir um projecto comum de defesa.
Durante a fase de negociações do que viria a ser o Tratado fundador da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, Jean Monnet aproveitou para di­rigir um pequeno memorando a René Pleven — en­tretanto nomeado Pre­sidente do Con­selho francês — onde se sugeria a federação da Europa em torno de um Plano Schu­man desen­volvido que agisse de forma con­certada com os Es­tados Unidos e com o império britânico para fazer face à ameaça mili­tar que provinha do leste da Europa. Conjuntamente com uma equipa restrita de colaboradores diretos — no­meadamente Bernard Clappier, Paul Reuter, Etienne Hirsch, Pierre Uri e Hervé Alphand — Mon­net deitou mão à tarefa de redigir um projeto de Tratado que contemplasse a criação de um exército europeu in­tegrado sob comando único e que fa­ria parte do dispositivo atlân­tico de de­fesa e segurança, dotado de um or­çamento comum e colocado sob autoridade de um Mi­nistro Europeu da Defesa que seria respon­sável ante um Con­selho de Mi­nistros e uma As­sembleia Parlamentar europeia. Este projeto ambicioso viria a ser con­denado ao fracasso às mãos e aos votos da própria Assembleia Nacional francesa quando, uma estranha aliança entre deputados gaullistas e comunistas, acabaria por rejeitar a aprovação do respetivo tratado institutivo, depois de o mesmo já ter sido aprovado por todos os parlamentos dos restantes Estados comunitários. Foi este, aliás, o primeiro de uma série de revezes que o projeto comunitário conheceria desde o seu início até aos dias de hoje, insucesso que o próprio Jean Monnet sentiu como um fra­cas­so pes­soal e de­terminou a sua de­missão do cargo que de­sem­pe­nhava na Comunidade Europeia do Carvão e do Aço — infor­mando os seus colegas da Alta Autoridade, a 9 de Novembro de 1954, que não pretendia ser reconduzido no cargo.
Ora, no momento presente, em que a Europa da União demonstra a sua completa incapacidade em fazer frente aos principais desafios que tem pela frente – Brexit, migrantes, segurança, desemprego – introduzir na agenda política europeia o exigente e não consensual tema da defesa comum europeia, constitui óbvia manobra furtiva que demonstra que esta União Europeia tem aprendido muito pouco com a sua história e com os seus erros. Na impossibilidade de encontrar um consenso efetivo sobre temas concretos que atingem e preocupam os europeus, o Conselho Europeu (informal) optou pela “fuga em frente”: uma vez mais não perece ter sido o caminho mais prudente e mais avisado para enfrentar os reais problemas com a que o que resta da Europa da União de defronta e se debate.