by João Pedro Simões Dias | Jan 28, 2012 | Diário
O Financial Times dá notícia de que o segundo plano de resgate financeiro à Grécia, acordado na Cimeira do Conselho Europeu do passado dia 9 de Dezembro, só se concretizará, por pressão alemã, se a Grécia abdicar da sua soberania orçamental e confiar nas mãos de um delegado das organizações internacionais responsáveis pelo segundo empréstimo de 130MM€ as principais decisões atinentes à sua política orçamental. A TSF tem a gentileza de me pedir um comentário à notícia que surge e o primeiro pensamento que me ocorre é o de que, para os Estados resgatados ou intervencionados, falar-se já hoje de «soberania orçamental» é um absoluto eufemismo. Os Estados que foram alvo de resgate internacional já perderam a sua soberania orçamental e esta já transitou dos representantes dos eleitores para os credores. E não é só na Grécia que isto que se passa…. Por outro lado, mesmo sem resgates financeiros internacionais, convém recordar que os semestres europeus já limitam de forma significativa a capacidade e autonomia dos Estados – e dos seus Parlamentos nacionais – em matéria orçamental. Não é, pois, de matéria virgem que estamos a falar; pode variar o grau da limitação, não muda a natureza da mesma. A confirmar-se a notícia avançada, porém, há outra ilacção que não pode deixar de ser tirada – a estratégia que tem estado a ser seguida para a Grécia estará muito longe de produzir os resultados desejados. Daí que novo empréstimo tenha de obedecer a novas regras e a novos princípios. Resta saber da viabilidade de tais princípios serem, efectivamente aplicados. Creio serem legítimas algumas dúvidas nessa matéria. Na crise actual, que surgiu na periferia e se vem estendendo para o centro da Europa, nenhum Estado-Membro da União se poderá dizer, verdadeiramente, a salvo dos seus efeitos. Daí que talvez se venha a registar alguma prudência na imposição destas limitações orçamentais. É que o que hoje diz respeito aos meus vizinhos, amanhã poder-me-á tocar a mim….
by João Pedro Simões Dias | Jan 23, 2005 | Diário
[Chicago, Illinois, EUA] O discurso de Tony Blair no Parlamento Europeu, para apresentar o programa da próxima presidência britânica da União Europeia, permitiu evidenciar, mais uma vez, o clima de crise política e económico-financeira que atravessa a Europa da União. A que se soma agora – e a alocução evidenciou-o de forma clara – um dispensável e de todo indesejável clima de crispação pessoal entre alguns dos líderes europeus.
A partir de Chicago (Illinois, EUA) e aproveitando as maravilhas do progresso técnico, tivemos oportunidade de produzir um primeiro comentário sobre o discurso de Mr Blair aos microfones da TSF poucos minutos depois de o mesmo ter terminado – comentário que aqui agora se reproduz de forma desenvolvida.
A primeira reflexão que se impõe fazer é que Tony Blair se viu na contingência de ter de fazer uma profissão de fé no ideal europeu e declarar-se um “apaixonado” pela Europa e pela União Europeia – talvez venha a propósito, aqui, agora, recordar que a paixão é um estado de alma passageiro e transitório, que na maior parte das vezes vai com a mesma rapidez com que vem… O primeiro-ministro britânico, que saiu da última cimeira europeia com o anátema da responsabilidade pelo fracasso da mesma no plano das perspectivas financeiras, escolheu claramente a sede parlamentar da União para se defender dos ataques e das pressões sofridas em público (e presume-se que em privado, durante os trabalhos do Conselho Europeu) – e esse caminho não beneficia o clima institucional no quadro da União Europeia, pois o Parlamento Europeu não deve servir de contrapeso ao Conselho nem de caixa de ressonância de problemas deixados em aberto e por resolver na sede intergovernamental.
Por outro lado, perpassou por quase todo o discurso de Blair a sombra do Presidente francês Jacques Chirac. Sem nunca ter citado ou mencionado o chefe de Estado francês, foi para Paris e para o Palácio do Eliseu que a maior parte dos recados deixados por Blair se dirigiram. E não foram recados meigos ou simpáticos. Desde logo quando afirmou taxativamente que a crise europeia não é institucional mas é de lideranças, recordando (bem) que não foram artigos concretos do tratado que estabelece uma Constituição para a Europa que foram derrotados nos referendos – mas sim políticas concretas personificadas e interpretadas por líderes concretos. Era impossível Blair ser mais directo em mensagem dirigida ao Eliseu. Pena foi não ter explicado se manteria a sua tese se, como todos os estudos de opinião deixavam perceber, idêntico referendo se realizasse no Reino Unido e o “não” também obtivesse vantagem. Mas nesse capítulo, convenhamos, franceses e holandeses facilitaram-lhe a vida, dispensando-o, pelo menos para já, de realizar a prometida consulta ao eleitorado o qual, por sua vez, já lhe havia prometido resultado nada favorável.
Mas houve outras mensagens com o mesmo destinatário: a afirmação de que foi ele, Blair, o primeiro líder britânico a admitir colocar em cima da mesa, para ser negociado, o famoso “cheque britânico”, contrariamente ao que a delegação francesa ao Conselho Europeu divulgou até à exaustão (embora Blair não tenha dito, e teria sido útil dizê-lo, como e em que termos se dispôs a negociar o famoso “cheque”); a afirmação que nunca pretendeu discutir o custo da agricultura francesa para o orçamento agrícola comum como “moeda de troca” para a diminuição do mesmo “cheque” que Londres recebe desde 1984 e que foi concebido, justamente, como contrapartida dada ao Reino Unido pelo peso na política agrícola comum da agricultura francesa; e – sobretudo – a afirmação de que, apesar da crise que atravessa, a Europa da União não pode nem deve travar os projectos e processos de alargamento em curso – todo o contrário, recorde-se, da primeira declaração tornada pública por Chirac, no primeiro dia do último Conselho Europeu, quando preconizou que os novos alargamentos deveriam ser seriamente repensados, face à crise resultante da não aprovação do tratado constitucional europeu. Com tanta resposta directamente endereçada a Chirac, este foi o verdadeiro “ausente-presente” ao longo de todo o discurso de Blair. O que revela de forma insofismável que o relacionamento pessoal entre ambos deixa muito a desejar. E a questão apenas é politicamente relevante porquanto quem se detiver um pouco a ler algumas biografias de antigos estadistas europeus dos anos oitenta ou noventa aperceber-se-á do quão importante é o bom relacionamento pessoal entre os membros do Conselho Europeu para garantir o sucesso dos seus trabalhos. Na monografia que dedicámos ao estudo da instituição (João Pedro Simões Dias, O Conselho Europeu, estudo de direito comunitário institucional, Editora Quarteto, Coimbra, 2002) pudemos evidenciar de forma particular esse aspecto. Inexistindo esse bom relacionamento, está aberto o caminho para o inêxito e para o insucesso. A cimeira da passada semana comprovou-o em absoluto – se necessário fosse ou dúvidas existissem na matéria.
Outro ponto a merecer destaque neste “discurso da paixão” de Blair – a afirmação de que não pretende concentrar os esforços da sua presidência apenas na dimensão comercial da União, porquanto não vê esta apenas como um amplo espaço de livre comércio intraeuropeu, antes lhe reconhece, também, uma efectiva dimensão política objectivada nos vectores da segurança, do combate à criminalidade e ao terrorismo, eventualmente na justiça. Ao mesmo tempo, porém, uma fortíssima crítica era desferida ao modelo social europeu – responsável, entre outras coisas, por um passivo social que conta com mais de 20 milhões de desempregados. pena que o líder britânico – que nesta Europa de crise de lideranças, como o próprio reconheceu, é dos poucos que podem aspirar ao verdadeiro estatuto de estadista na esteira dos que lideraram a União nos anos oitenta e noventa – não tenha ido mais além, explicitando o seu pensamento e as suas propostas em matéria social.
Em todo o caso, este “discurso da paixão” – que teve tanto de justificativo quanto de omisso relativamente a questões nucleares com que se debate actualmente a União – não pode ser visto como um estimulante suficientemente forte para afastar as sombrias núvens outonais que perpassam sobre este projecto comunitário que envolve 25 Estados europeus. Resta esperar que a prática revele maior arte e não menor empenho do governo de Londres na forma como se propõe enfrentar os desafios que terá pela frente.