by João Pedro Simões Dias | Abr 7, 2014 | Diário
Volta a subir ao rubro a tensão entre a Rússia e a Crimeia. Os dados de hoje, denunciados por Kiev, apontam para a existência de um plano da Federação russa para desmembrar a Ucrânia, potenciando a fragmentação do país e estimulando os diferentes nacionalismos que germinam em solo ucraniano. Donetsk aparenta ser o alvo que se segue no objectivo de russificação da Ucrânia. A concretizar-se a suspeição, é novo desafio à coesão ocidental que Putin parece apostado em testar e em pôr à prova. E, no entretanto, é a viabilidade e a existência da própria Ucrânia que está sob ameaça diária e quotidianamente posta em causa.
by João Pedro Simões Dias | Abr 5, 2014 | Diário
Há cerca de quinze dias era noticiado que Jean-Claude Junker “who is from the same centre-right political family as German Chancellor Angela Merkel – the main opponent of eurobonds – said he had been in favour of the scheme for at least four years”. E o próprio acrescetava que “In December 2010 I pleaded in favour of eurobonds together with the conservative Italian finance minister Giulio Tremonti,” he said”. Ficámos esclarecidos. Hoje, segundo se relata em Berlim, e discursando perante o Congresso da CDU alemã que prepara a candidatura europeia do Partido, “Junker referiu que não deverá haver emissão de ‘eurobonds’ nos próximos cinco anos e considerou que deve ser assim enquanto não houver uma maior harmonização da política económica e financeira em toda a zona euro”. Os quatro anos iniciais passaram para cinco e foi-lhes acrescentada uma condicionalidade suplementar: a emissão de títulos de mutualização de dívida só deverão existir com uma maior harmonização da política económica e financeira da zona euro. Ora, se o instrumento de mutualização de dívida estiver dependente dessa maior harmonização económica e financeira da zona euro estamos conversados sobre a eventualidade do seu surgimento. O curioso desta evolução do pensamento de Junker reside no facto de o próprio admitir, hoje, que é necessária a referida harmonização económica e financeira da zona euro e, ao mesmo tempo, reconhecer que, em 2010, quando essa harmonização estava muito mais distante e era uma miragem completa e absoluta, conjuntamente com o Ministro italiano das Finanças, defendeu o recurso a esse instrumento de mutualização e partilha de risco na emissão de dívida pública. Em 2010, pelos vistos, havia condições para a emissão de eurobonds; hoje, teremos de esperar pela harmonização económica e financeira. Convenhamos: há nomeações que obrigam a muita ginástica dialética.
by João Pedro Simões Dias | Abr 4, 2014 | Diário
Há muito tempo que penso e escrevo que a atual política austeritária que os grandes da Europa e as instituições europeias têm imposto aos Estados em dificuldade do Sul só mudará no dia em que esses mesmos grandes começarem a provar do seu próprio veneno e a terem de enveredar por políticas igualmente austeritárias e recessivas. Talvez nesse dia o apelo aos valores europeus, da solidariedade, da partilha, da coesão, falem mais alto, se façam ouvir e se traduzam na adoção de medidas concretas que dêem forma e corpo a esses princípios. Mas para isso acontecer será inevitável que, antes, os ditos grandes tenham de sofrer na pele um pouco do que tem sido imposto a muitos outros Estados e povos europeus. Sem que isso signifique laxismo nas contas públicas, défices orçamentais ou aumentos exponenciais de dívida pública, mas também sem uma obediência cega à teologia dos mercados e à ditadura das finanças e dos orçamentos, antes buscando uma sábia e prudente combinação de políticas que reúnam princípios e critérios de rigor e exigência com adequadas doses de estímulo ao crescimento económico e combate ao flagelo social que é o desemprego. Sempre tendo presente que o Estado existe para as pessoas e não são estas que devem estar ao serviço do Estado. A França parece ser o primeiro a ter de se defrontar com esse problema. Segundo se noticia agora o Presidente francês depara-se com uma economia a crescer 0,3% no último trimestre, mas com o desemprego acima dos 11% e o buraco fiscal por resolver. O défice de 2013 foi de 4,3% do PIB, dois pontos acima da meta decidida por Bruxelas, e segundo as previsões da Comissão, se nada fôr feito, a diferença será ainda maior este ano. Hollande terá, por isso, pedido mais tempo para cumprir as metas do défice mas a Comissão Europeia recusou e pediu-lhe para acelerar as reformas no país. Tanto Olli Rehn como o Presidente do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem, recusaram o pedido lembrando que já tinham sido oferecidos à França dois anos para estancar o buraco fiscal. Nessa medida, por paradoxal que possa parecer, ver um grande europeu a atravessar algumas dificuldades pode não ser, necessariamente, uma má notícia para a Europa…
by João Pedro Simões Dias | Abr 1, 2014 | Diário de Aveiro
Com a sua aventura ucraniana, em que com apoio de carros de combate e tropas russas, e milícias armadas por Moscovo, a Federação da Rússia violou a integridade das fronteiras de um Estado soberano com quem mantinha fronteiras em comum, anexando uma parte do mesmo (a Crimeia) depois de um referendo-fantasma não reconhecido pela comunidade internacional que antecedeu o óbvio pedido de anexação ou inclusão da Crimeia na Federação da Rússia, poder-se-ia pensar que o líder russo, Vladimir Putin, teria alcançado os seus objectivos, nomeadamente: amputar uma parte significativamente estratégica do território do seu vizinho; desestabilizar politicamente a Ucrânia, abrindo as portas para novas secessões que tenham na sua base a partilha de uma língua comum; dar início à construção de um cordão sanitário ou de segurança, defendendo as suas fronteiras, na esteira do que foi desenvolvido pela União Soviética, como forma de defender e preservar o seu império e a sua área de influência geográfica na Europa cujas fronteiras foram as que saíram de Yalta e do fim da segunda guerra mundial; e, obviamente, os objectivos económicos associados à grande dependência de parte significativa da Europa do gaz que, apesar de produzido em território russo, necessita do território ucraniano e da rede dos gasodutos que o atravessa para poderem chegar ao respetivo consumidor final. Olhando para os resultados conseguidos nesta operação-relâmpago, beneficiando da impreparação da UE para responder de forma atempada e eficaz a este tipo de crises e aproveitando o adormecimento dos EUA, mais vocacionados para a sua costa do Pacífico do que para a retaguarda atlântica, dada por segura e garantida, dir-se-ia que a operação da Crimeia teria constituído um total e completo êxito e um inquestionável sucesso para o Presidente russo Vladimir Putin.
Creio, todavia, que para além dos objetivos enunciados e plenamente alcançados, Putin teria em mente um outro – quiçá tão ou mais importante que todos os restantes – onde estaria a apostar fortemente e que, manda a verdade dizê-lo, talvez já possa ser dado por não cumprido e não alcançado.
Para além de todos aqueles objectivos, parece hoje uma evidência que Putin apostou forte tanto na divisão intra-europeia como na ruptura dos laços transatlânticos e da relação dos EUA com a Europa e, nomeadamente, a Europa da União. Decerto: nem a UE nem os EUA reagiram a este episódio e a esta crise – tida como a mais grave desde a queda do Muro de Berlim e o fim da guerra-fria – como deveriam ter reagido. Por razões diferentes e motivos diversos: a União Europeia, por falta de estruturas adequadas e capacidade logística (militar) adequada; os EUA, por manifesta desatenção e erro de avaliação sobre as prioridades da política externa russa. Pese embora tais deficiências, é imperativo reconhecer e constatar que, passadas as horas iniciais de desnorte e descoordenação, os aliados transatlânticos souberam manter o mínimo que se lhes exigia, preservando os laços mínimos da aliança que os vincula e une ambas as margens do Atlântico.
Não foi tarefa fácil e houve oportunidade de o constatar, por exemplo, se atentarmos no quão difícil foi a União Europeia entender-se sobre um catálogo mínimo de sanções a aplicar à Federação da Rússia e, mesmo quanto às que foram adotadas, serem legítimas as dúvidas sobre a sua eficácia. Apesar disso, houve a necessária arte e o suficiente engenho para preservar uma coesão mínima de que a expressão máxima terá sido a viagem empreendida pelo Presidente Barack Obama à Europa na passada semana, nos dias imediatos à eclosão da crise e à anexação da Crimeia por parte da Federação russa. Desdobrou-se em contactos bilaterais, visitou os principais aliados europeus e a sede da NATO – onde validou a escolha do futuro Secretário-Geral da organização, o antigo primeiro-ministro norueguês Jens Stoltenberg, escolhido para suceder a Anders Fogh Rasmussen – e, sobretudo e pela primeira vez, incluiu as instituições comunitárias da União Europeia no roteiro desta sua visita – a que não faltou a visita ao Vaticano e a Sua Santidade, o Papa Francisco. E ao longo de todas as intervenções que teve oportunidade de fazer, Obama colocou sempre o acento tónico na necessidade de fortalecer e solidificar os laços transatlânticos – reforçando-os como forma de fazer frente à “força bruta” da Rússia. Dir-se-á que foi preciso a crise ucraniana para o Presidente dos Estados Unidos recordar que o Ocidente é matricialmente europeu e que é do interesse dos próprios EUA que o Ocidente em que se integram não percam a sua matriz nem a deixem enfraquecer a ponto de a mesma se tornar irrelevante ou dispensável. As palavras de Obama permitem manter acesa a esperança de que tal evidência tenha sido compreendida pelos Aliados dos dois lados do Atlântico, europeus e norte-americanos. Mais vale tarde do que nunca; e mais ainda valerá se se tratar de uma postura sincera que passe das palavras aos atos. A assim acontecer, Putin poderá ter ganho esta batalha mas estará longe de ter ganho a guerra. Ou de ter cumprido o seu desígnio primeiro de fraturar e quebrar a aliança transatlântica. Lamentar-se-á que a Crimeia possa ter sido o preço a pagar pelo Ocidente para assegurar a coesão daquela aliança. Mas será, também e paradoxalmente, a maior prova de que o líder russo terá alcançado muitos dos objectivos que se propôs alcançar sem, todavia, lograr atingir aquele que seria o seu objetivo prioritário. A política internacional também é feita de alguns paradoxos.
by João Pedro Simões Dias | Abr 1, 2014 | Diário
François Hollande – esse arauto e exemplo de postura de Estado que diz que a França vive uma crise moral, parecendo querer actualizar a velha máxima de Luís XIV, o Rei-Sol, segundo a qual “L’État c’est moi” – na decorrência da varredela levada pelos socialistas do mapa autárquico francês, entregou a chefia do governo de França a Manuel Valls, um francês natural de Barcelona, francês naturalizado portanto, conotado com ala direita do Partido Socialista e, pelos vistos, mais respeitado à direita do que à esquerda onde, dois ministros do governo demitido já terão feito saber da sua indisponibilidade para integrar o governo de Manuel Valls. Essa continua a ser uma das principais contradições de que a esquerda europeia ainda não se libertou: se entende que as medidas “de direita” são melhores que as suas próprias propostas, por que diabo de teimosia insistem em tentar governar com medidas que não são suas, persistindo em aplicar políticas do adversário? Enquanto assim continuarmos, o mundo continua de pernas para o ar, a discussão política e o debate doutrinário não é difícil – é impossível.