by João Pedro Simões Dias | Jan 2, 2012 | Diário
A Hungria, e Budapeste em particular, vivem uma noite a ferro e fogo, marcando a entrada em vigor de uma nova Constituição. Há manifestações nas ruas, notícias de desacatos, oposição dividida apenas unida nos protestos contra o novo texto constitucional. Pouco importa saber se este é de esquerda, de centro ou de direita. É um texto ideologicamente marcado e isso é suficiente para deixar de ser um factor de união para se transformar num instrumento de desunião e de querela. É o destino fatal e inevitável de todas as constituições que se pretendem dirigentes e aspiram a trilhar e indicar um caminho para as sociedades e um rumo para os Estados. Têm todas de comum, entre si, o facto de durarem, inevitavelmente, pouco tempo e acabarem por ser substituídas e revogadas. Umas vezes a bem, outras nem tanto. No caso vertente da Hungria, não deixa de ser preocupante que à grave crise financeira do Estado se some uma dispensável querela constitucional. Sobretudo quando muitos dos aspectos apontados à nova Constituição deixam muitas dúvidas sobre o respeito por princípios e valores subjacentes à pertença à própria União- E não somos nós a afirmá-lo – Bruxelas já reparou no facto e já deixou expressas algumas reservas…
by João Pedro Simões Dias | Jan 1, 2012 | Diário
Começa hoje, 1 de Janeiro de 2012, estendendo-se por mais um semestre, a presidência rotativa e de turno do Conselho [de Ministros] da União Europeia exercida pela Dinamarca. Infelizmente, nada nos leva a crer que seja muito diferente, para melhor, das que a antecederam. Já lá vão os tempos em que os semestres em que cada Estado estava incumbido de presidir à União Europeia constituíam momentos mobilizadores do respectivo empenho em prol do ideal europeu. Hoje, após a entrada em vigor do Tratado de Lisboa e com a institucionalização de um Presidente permanente para o Conselho Europeu, as presidências de turno estão desvalorizadas e secundarizadas. Dá por elas apenas quem, por dever de ofício, tenha de estar atento ao que se vai passando pela Europa. Para o cidadão europeu médio e comum, mesmo dos Estados que as exercem a cada semestre, são absolutamente irrelevantes. Como um dia se virá a constatar, sem medo de contradita, o Tratado de Lisboa redefiniu os poderes e a hierarquia entre os Estados-Membros da União, abrindo de par em par as portas ao directório das grandes potências e dos grandes Estados, deixando para segundo plano esse princípio verdadeiramente estruturante do projecto inicial comunitário que era o da igualdade entre os seus Estados-Membros. Igualdade apenas formal – dirão os partidários da realpolitik. Seja. Mas mesmo no plano formal o princípio está a ser subvertido a cada dia que passa. E isso não é bom para o projecto europeu nem pode augurar nada de bom à própria Europa da União.
by João Pedro Simões Dias | Dez 18, 2011 | Diário
Faleceu hoje Vaclav Havel, figura primeira do europeísmo da resistência e artífice principal da Revolução de Veludo que, sem quebrar um vidro ou derramar uma gota de sangue, derrubou um governo, ruiu um sistema e cindiu um país. Em texto académico publicado, dedicámos-lhe as seguintes palavras:
O fim da guerra–fria e o longo período de declínio que antecedeu esse final não pode, porém, ser apenas imputado à importante ação desenvolvida por um punhado de estadistas que as circunstâncias colocaram no governo dos seus Estados em momento simultâneo. Porque o sistema bipolar ruiu a leste, justamente a leste esse facto não pode ser dissociado de uma importante batalha travada por povos mudos e oprimidos que buscavam a verdade e a autenticidade. Para o efeito invocavam valores relativizados a ocidente porque mal compaginados com uma sociedade de consumo em que o ter prevalece sobre o ser. Como novos projetistas da paz deste fim de século, recorreram ao único poder à sua disposição — o poder do verbo — para enfrentarem o Estado que oprimia e o partido que controlava. No seu conjunto formaram uma autêntica Internacional de Dissidentes que começou a ganhar forma e estrutura com a publicação, em Janeiro de 1977, em Praga, da Carta 77 e que se desenvolveu com a reunião ocorrida algures na fronteira polaco–checa entre dissidentes de ambos os países em Agosto de 1978. No movimento assume protagonismo especial Vaclav Havel — o dramaturgo que a Revolução de Veludo colocará à frente dos destinos da Checoslováquia e, após a sua secessão, da novel República Checa. As preocupações dos cartistas eram bem definidas e nada tinham a ver com as que ocupavam os espíritos ocidentais: ante a decadência que lhes era dado conhecerem, proclamam a sua iniciativa, antes de tudo, como uma iniciativa ética que reconhece o primado da consciência moral individual sobre a razão–de–Estado. Essencialmente porque, no dizer de outro dos seus expoentes, o filósofo resistente Jan Patocka — que decerto não esquecera o exemplo do seu compatriota, o estudante Jan Palach, auto–emulado na Praça de S.Wenceslau em Varsóvia porque era urgente protestar contra a sovietização do seu país — há coisas que merecem que se sofra por elas. Nesta cruzada pela palavra livre e pelo direito de expressão e pensamento, assumirá destaque outro texto de Havel — «O poder dos sem poder» analisa o fenómeno da dissidência nos países comunistas e retoma teses da Carta aparecida um ano antes.
by João Pedro Simões Dias | Dez 3, 2011 | Diário
Jacques Delors, em entrevista ao Daily Telegraph veio, uma vez mais, a terreiro criticar a acção tardia dos responsáveis europeus e a gestão da moeda única. Esta é outra voz que merece ser escutada. E que, contrariamente ao que é invocado por alguns, não se limita a ser um teórico ou um sonhador do movimento europeu. Foi um seu construtor, e dos meias empenhados e emblemáticos, no período em que a construção do projecto europeu era uma missão que unia as duas grandes correntes do pensamento político europeu – a democracia-cristã e o socialismo democrático. Delors enfileirava nesta última corrente, mas o seu labor em prol do projecto europeu ficará escrito de forma imorredoura na história europeia, colocando-o ao lado de alguns dos nossos maiores. Mesmo que dele discordemos em aspectos ideológicos, é outra daquelas vozes que além de se fazerem ouvidas devem ser escutadas.
by João Pedro Simões Dias | Dez 2, 2011 | Diário
Após encontro hoje realizado com o Presidente francês, Nicolas Sarkozy, o Primeiro-Ministro britânico, David Cameron, veio dizer-se não convencido de que seja necessário alterar os Tratados fundadores da União Europeia. E acrescentou que, a iniciar-se um tal processo, o Reino Unido não deixará de defender fortemente os seus interesses nacionais. Eis-nos, quiçá, perante a suprema contradição deste processo de integração europeia completamente esquizofrénico em que vivemos! Mercozy pretendem alterar os tratados comunitários numa clara deriva intergovernamental que reforçará o papel dos Estados, sobretudo dos grandes, em detrimento do poder das instituições comuns e do método comunitário. O Reino Unido, que sempre foi o expoente das teses intergovernamentais na UE e principal adversário do aprofundamento comunitário, vem reagir e declarar a sua oposição à proposta franco-alemã. Cameron, com esta posição, arrisca-se a ser o porta-voz de todos os que rejeitam o modelo do duopólio que nos quer governar e dirigir! Vai irónico e cheio de contradições este projecto europeu….