A “orbanização” da Hungria

A Hungria, e Budapeste em particular, vivem uma noite a ferro e fogo, marcando a entrada em vigor de uma nova Constituição. Há manifestações nas ruas, notícias de desacatos, oposição dividida apenas unida nos protestos contra o novo texto constitucional. Pouco importa saber se este é de esquerda, de centro ou de direita. É um texto ideologicamente marcado e isso é suficiente para deixar de ser um factor de união para se transformar num instrumento de desunião e de querela. É o destino fatal e inevitável de todas as constituições que se pretendem dirigentes e aspiram a trilhar e indicar um caminho para as sociedades e um rumo para os Estados. Têm todas de comum, entre si, o facto de durarem, inevitavelmente, pouco tempo e acabarem por ser substituídas e revogadas. Umas vezes a bem, outras nem tanto. No caso vertente da Hungria, não deixa de ser preocupante que à grave crise financeira do Estado se some uma dispensável querela constitucional. Sobretudo quando muitos dos aspectos apontados à nova Constituição deixam muitas dúvidas sobre o respeito por princípios e valores subjacentes à pertença à própria União- E não somos nós a afirmá-lo – Bruxelas já reparou no facto e já deixou expressas algumas reservas…

Presidência dinamarquesa da União Europeia

Começa hoje, 1 de Janeiro de 2012, estendendo-se por mais um semestre, a presidência rotativa e de turno do Conselho [de Ministros] da União Europeia exercida pela Dinamarca. Infelizmente, nada nos leva a crer que seja muito diferente, para melhor, das que a antecederam. Já lá vão os tempos em que os semestres em que cada Estado estava incumbido de presidir à União Europeia constituíam momentos mobilizadores do respectivo empenho em prol do ideal europeu. Hoje, após a entrada em vigor do Tratado de Lisboa e com a institucionalização de um Presidente permanente para o Conselho Europeu, as presidências de turno estão desvalorizadas e secundarizadas. Dá por elas apenas quem, por dever de ofício, tenha de estar atento ao que se vai passando pela Europa. Para o cidadão europeu médio e comum, mesmo dos Estados que as exercem a cada semestre, são absolutamente irrelevantes. Como um dia se virá a constatar, sem medo de contradita, o Tratado de Lisboa redefiniu os poderes e a hierarquia entre os Estados-Membros da União, abrindo de par em par as portas ao directório das grandes potências e dos grandes Estados, deixando para segundo plano esse princípio verdadeiramente estruturante do projecto inicial comunitário que era o da igualdade entre os seus Estados-Membros. Igualdade apenas formal – dirão os partidários da realpolitik. Seja. Mas mesmo no plano formal o princípio está a ser subvertido a cada dia que passa. E isso não é bom para o projecto europeu nem pode augurar nada de bom à própria Europa da União.

Vaclav Havel. In memoriam

Faleceu hoje Vaclav Havel, figura primeira do europeísmo da resistência e artífice principal da Revolução de Veludo que, sem quebrar um vidro ou derramar uma gota de sangue, derrubou um governo, ruiu um sistema e cindiu um país. Em texto académico publicado, dedicámos-lhe as seguintes palavras:
O fim da guerra–fria e o longo período de declínio que antecedeu esse final não pode, porém, ser apenas imputado à importante ação des­en­volvida por um pu­nhado de esta­dis­tas que as circunstâncias colocaram no go­verno dos seus Estados em momento si­multâneo. Porque o sistema bi­polar ruiu a leste, justamente a leste esse facto não pode ser dis­sociado de uma importan­te batalha travada por povos mudos e oprimidos que bus­cavam a verdade e a autenticidade. Para o efeito invoca­vam valores rela­ti­vizados a oci­dente por­que mal compaginados com uma sociedade de con­sumo em que o ter prevalece so­bre o ser. Como no­vos projetistas da paz deste fim de século, recorreram ao único po­der à sua disposição — o poder do verbo — para enfrentarem o Estado que oprimia e o partido que con­trola­va. No seu conjunto formaram uma autên­tica Internacional de Dissiden­tes que co­me­çou a ganhar forma e es­trutura com a pu­blicação, em Ja­neiro de 1977, em Praga, da Carta 77 e que se desen­volveu com a reunião ocorrida algures na fronteira polaco–checa en­tre dissi­dentes de ambos os países em Agosto de 1978. No movimento assume pro­ta­go­n­ismo espe­cial Vaclav Havel — o dra­maturgo que a Revolução de Veludo colo­cará à fren­te dos desti­nos da Checoslováquia e, após a sua se­ces­são, da novel Repú­blica Checa. As preocu­pações dos cartistas eram bem definidas e nada ti­nham a ver com as que ocupa­vam os espíritos ociden­tais: ante a deca­dên­cia que lhes era dado conhecerem, proclamam a sua iniciativa, antes de tudo, como uma iniciativa ética que reconhece o primado da con­sci­ên­cia moral indivi­dual sobre a razão–de–Esta­do. Es­sen­cialmente porque, no di­zer de ou­tro dos seus ex­po­entes, o filósofo re­sis­tente Jan Pato­cka — que decerto não esquecera o exemplo do seu compatriota, o estudante Jan Palach, auto–emulado na Praça de S.Wenceslau em Varsóvia porque era urgente protestar contra a sovieti­zação do seu país — há coisas que merecem que se so­fra por elas. Nesta cru­zada pela palavra livre e pelo di­reito de expressão e pen­samen­to, assumi­rá desta­que outro texto de Havel — «O po­der dos sem po­der» ana­lisa o fenó­meno da dissi­dência nos países co­munistas e re­toma teses da Carta apa­recida um ano an­tes.

Jacques Delors em entrevista

Jacques Delors, em entrevista ao Daily Telegraph veio, uma vez mais, a terreiro criticar a acção tardia dos responsáveis europeus e a gestão da moeda única. Esta é outra voz que merece ser escutada. E que, contrariamente ao que é invocado por alguns, não se limita a ser um teórico ou um sonhador do movimento europeu. Foi um seu construtor, e dos meias empenhados e emblemáticos, no período em que a construção do projecto europeu era uma missão que unia as duas grandes correntes do pensamento político europeu – a democracia-cristã e o socialismo democrático. Delors enfileirava nesta última corrente, mas o seu labor em prol do projecto europeu ficará escrito de forma imorredoura na história europeia, colocando-o ao lado de alguns dos nossos maiores. Mesmo que dele discordemos em aspectos ideológicos, é outra daquelas vozes que além de se fazerem ouvidas devem ser escutadas.

David Cameron e a reforma dos Tratados

Após encontro hoje realizado com o Presidente francês, Nicolas Sarkozy, o Primeiro-Ministro britânico, David Cameron, veio dizer-se não convencido de que seja necessário alterar os Tratados fundadores da União Europeia. E acrescentou que, a iniciar-se um tal processo, o Reino Unido não deixará de defender fortemente os seus interesses nacionais. Eis-nos, quiçá, perante a suprema contradição deste processo de integração europeia completamente esquizofrénico em que vivemos! Mercozy pretendem alterar os tratados comunitários numa clara deriva intergovernamental que reforçará o papel dos Estados, sobretudo dos grandes, em detrimento do poder das instituições comuns e do método comunitário. O Reino Unido, que sempre foi o expoente das teses intergovernamentais na UE e principal adversário do aprofundamento comunitário, vem reagir e declarar a sua oposição à proposta franco-alemã. Cameron, com esta posição, arrisca-se a ser o porta-voz de todos os que rejeitam o modelo do duopólio que nos quer governar e dirigir! Vai irónico e cheio de contradições este projecto europeu….