by João Pedro Simões Dias | Jun 7, 2017 | Diário de Aveiro
Amanhã, quinta-feira, a atenção política europeia vai centrar-se no Reino Unido: os britânicos voltam a ir às urnas, ainda que desta vez num contexto especial. O acto eleitoral foi convocado pela primeira-ministra Theresa May para reforçar e relegitimar o seu governo que tem pela frente a espinhosa tarefa de negociar e concretizar um Brexit escolhido, há precisamente um ano, na sequência de uma consulta popular convocada pelo então primeiro-ministro David Cameron.
Não chegasse, todavia, este particular contexto envolvente do acto eleitoral de amanhã, dá-se ainda o caso de o mesmo nos aparecer, inevitavelmente, condicionado pelos atentados terroristas que o Reino Unido tem sofrido – em Londres, em Manchester e, no passado fim-de-semana, de novo na capital britânica.
Ambos os factos – a postura de Theresa May ante o Brexit, ela que fez campanha pelo “Remain” no referendo do ano passado e, de repente, viu-se a braços com a liderança de um governo que tinha por principal tarefa, justamente, concretizar o Brexit; e a escalada do terrorismo islâmico radical e extremista no Reino Unido, contra o qual todo o empenho e perseverança da polícia britânica se tem revelado insuficiente – são suficientes para deixar em aberto todas as previsões sobre qual poderá vir a ser o veredicto das urnas, pese embora, à data de convocação deste acto eleitoral, os conservadores beneficiassem de mais de vinte pontos percentuais de vantagem sobre os trabalhistas.
Porém, a sucessão recente de erros do governo de May e a sua postura arrogante, por exemplo recusando participar em quaisquer debates eleitorais, poderão custar-lhe uma maioria em Westminster tão confortável como aquela de que presentemente beneficia. E assim, paradoxalmente, umas eleições que foram convocadas para darem suporte a um governo fortalecido e relegitimado eleitoralmente poderão acabar por conduzir a um governo comparativamente mais débil, menos forte e em condição mais desvantajosa para negociar com Bruxelas a saída do Reino da União. No fundo seria, a outra escala, a repetição do acontecido há um ano com a convocação do referendo sobre o Brexit por David Cameron: as previsões saíram furadas, o tiro saiu pela culatra. O eleitorado afirmou, de forma inequívoca, que nem sempre os governantes de turno sabem interpretar o seu sentir. O que sucedeu no referendo do ano passado, poderá vir a repetir-se nas eleições de amanhã. Não seria surpreendente.
Mas logo a seguir às eleições britânicas, teremos no próximo domingo, outro acto eleitoral de extraordinário relevo para a Europa – a primeira volta das eleições legislativas francesas.
Será o primeiro teste verdadeiro à recém-estreada presidência de Emmanuel Macron e, sobretudo, à capacidade que este teve, ou não, para dar um mínimo de forma institucional ao amplo movimento político e de cidadania que há poucas semanas o conduziu ao Eliseu. Macron tornou-se Presidente da República de França mercê de uma improvável conjugação de votos que cortou transversalmente a sociedade francesa, do centro-esquerda ao centro-direita. Beneficiou de muitos votos negativos, sobretudo daqueles que descreram no sistema político-partidário francês – desde os que quiseram recusar Le Pen aos que pretenderam censurar Fillon e penalizar Hollande e os respectivos partidos. O desafio que o novo Presidente tem, agora, pela frente, traduz-se em conseguir que o seu “La République En Marche” fidelize e sustenha uma parte significativa dos votos que ele reuniu. Se o conseguir fazer, nomeadamente se lograr uma maioria absoluta na Assembleia Nacional, a sua tarefa de governação será significativamente simplificada; se não lograr alcançar este desiderato e tiver de encetar uma política de alianças num parlamento previsivelmente mais fragmentado, com elevada representação da Frente Nacional, com os partidos tradicionais do sistema – republicanos gaullistas e socialistas – debilitados e enfraquecidos e uma extrema-esquerda previsivelmente bem representada, a tarefa da governação começará a complicar-se. Desde logo porque será necessário negociar uma maioria parlamentar que suporte o próprio governo.
A primeira volta destas eleições legislativas, a realizar no próximo domingo, já nos dará um cenário minimamente consistente que permita antecipar o resultado final e a composição definitiva da Assembleia Nacional francesa. A política europeia dos próximos anos vai depender, também, muito daquilo que vier a ser essa composição e das condições de governabilidade de que o Presidente francês venha a dispor.
E para completar a “trilogia” eleitoral teremos de esperar pelo próximo mês de Setembro – quando os alemães forem às urnas para eleger o seu Parlamento donde sairá o seu próximo governo. Decerto – ainda falta muito tempo para esse acto eleitoral. Mas é inquestionável que estas três eleições legislativas nos três (ainda) principais Estados da União Europeia, a par das passadas eleições presidenciais francesas, irão determinar parte significativa da Europa dos tempos próximos. E determinando o futuro da Europa, é o nosso próprio futuro que estará em jogo e em causa. Desengane-se, pois, quem pensar que se tratam de actos eleitorais relativamente aos quais nos poderemos dar ao luxo de sermos alheios ou indiferentes.
Em nenhum deles poderemos votar. Mas é inegável e inquestionável que, todos eles, no seu conjunto, nos afectam, nos dizem respeito e condicionarão e determinarão o nosso futuro.
by João Pedro Simões Dias | Mai 31, 2017 | Diário de Aveiro
O Presidente dos Estados Unidos concluiu na passada semana a sua primeira viagem oficial ao exterior desde que tomou posse do seu cargo. Foi uma viagem com um itinerário estranho, que tentou responder a uma agenda quase indecifrável, tantos e tão variados os temas que pretendeu tocar e os lugares por onde andou. Foi ao oriente médio, foi ao Vaticano e ainda divagou por duas cimeiras na Europa.
No Médio Oriente começou a digressão com uma visita à Arábia Saudita. Terá sido o momento onde mais palpável se tornou a digressão. Assinou um acordo de venda de armamento militar que ultrapassou os cem mil milhões de dólares. O complexo militar-industrial norte-americano, a que há mais de cinquenta anos se referiu o Presidente Dwight Eisenhower, terá esfregado as mãos de júbilo. Para além deste acordo, Trump teve a possibilidade de discursar numa cimeira de Estados árabes onde os estimulou a combaterem o fundamentalismo islâmico. Em boa verdade, quereria referir-se ao fundamentalismo xiita – escolhendo uma plateia de sunitas para deixar a sua mensagem. Não é líquido, porém, que a diferença tenha sido apreendida, sobretudo considerando os laços que intercedem entre muitos dos Estados que se fizeram representar na dita conferência e muitos dos movimentos xiitas que vão trilhando o caminho da radicalização. Os comentadores mais atentos fizeram notar a subtileza da distinção precisamente para evidenciarem a duvidosa eficácia da mensagem que Trump quis deixar em Riade – justamente em Riade, onde impera um dos mais autocráticos e despóticos regimes do oriente médio.
No roteiro do Air Force One seguiu-se uma paragem em Israel, para reafirmar a velha solidariedade norte-americana com o Estado judeu e o empenho num processo de paz que tarda em chegar, e nova paragem desta feita no Vaticano. Aqui, Francisco não se preocupou em esconder o seu sentimento mais profundo, plasmado em fotos que ficam para a posteridade e que não deixam dúvidas sobre o incómodo de Sua Santidade na recepção a tão ilustre visitante. De forma mediata e indirecta, Francisco e Trump já tiveram oportunidade de registar diferentes pontos de vista a propósito de diversos temas, nomeadamente da agenda internacional. Nada nos parece permitir concluir que as divergências hajam sido aplainadas, muito menos superadas ou dissipadas. O protocolo limitou-se a ser cumprido. E não há notícia de que algo mais tenha acontecido.
Já o mesmo não se poderá dizer da etapa final da viagem inicial do Presidente Trump. Tanto na Cimeira da NATO em Bruxelas quanto na Cimeira do G7 na Sicília não faltaram motivos de reflexão e, alguns, de apreensão. Em Bruxelas, na Cimeira NATO, assistiu-se a um Trump mais moderado relativamente à própria Aliança Atlântica, tendo por comparação o que dela chegou a dizer em plena campanha eleitoral. Decerto – insistiu na tecla de que todos os Estados têm de assumir as suas responsabilidades financeiras para com a organização, levando as respectivas contribuições aos 2% de cada PIB. No fundo, recordava o compromisso, assumido na cimeira do País de Gales, em 2014, de, no espaço de uma década, todos os países aliados destinarem 2% do PIB a despesas militares. Ora, de acordo com os dados da própria Aliança Atlântica, no ano passado apenas cinco aliados atingiram ou ultrapassaram o objectivo acordado: Estados Unidos (3,61%), Grécia (2,36%), Estónia (2,18%), Reino Unido (2,17%) e Polónia (2,01%). Recorde-se, todavia, que este objectivo deverá estar atingido em 2024; não em 2017. Mas as críticas iniciadas em Bruxelas acabariam por se tornar mais evidentes na Sicília, na Cimeira do G7, onde alguns consensos anteriormente alcançados entre as sete maiores economias do mundo foram questionados ou, mesmo, renegados pela nova administração norte-americana.
As divergências surgidas foram de tal monta que, há dois dias, a chanceler Angela Merkel veio colocar em causa uma constante da ordem internacional dos últimos setenta anos – a regra segundo a qual os EUA eram verdadeiramente indispensáveis para a defesa e a segurança da Europa. Primeiro da Europa ocidental; depois da queda do Muro e do fim da guerra-fria, da Europa da União.
Creio podermos afirmar que, nunca nos últimos 70 anos que são os que decorreram desde o fim da segunda guerra mundial, líder europeu algum se atreveu a ir tão longe face aos EUA como o foi, há dias, a chanceler alemã. Nem mesmo De Gaulle, nos seus tempos áureos de “antiamericanismo”, ousou ir tão longe.
Dito isto, impõe-se reconhecer que a afirmação de Merkel – mesmo descontando o facto de se encontrar em plena campanha eleitoral para as eleições gerais de setembro – não deixa de revelar duas coisas. Ambas preocupantes. A primeira, que foi quebrada a fronteira de confiança entre o maior Estado europeu e o principal aliado dos europeus. E rôta a fronteira da confiança, ultrapassada a linha vermelha que a mesma supõe, dificilmente o relacionamento transatlântico, nos tempos mais próximos, poderá voltar a ser normalizado. A segunda ilação a retirar desta afirmação da chanceler alemã conduz-nos, fatalmente, à conclusão de que a Alemanha merkeliana está disposta a, também no plano militar e da defesa e segurança colectiva da Europa, desempenhar um papel liderante, condizente com o seu poderio económico e a sua proeminência política. Isto é, pela ideia de Merkel, não andará distante a concepção de uma Europa militarmente organizada sob liderança alemã. O que, no momento presente, conduziria os europeus a terem de efectuar uma escolha muito pouco desejável: continuarem a abrigar-se sob a protecção militar norte-americana como o têm feito nos últimos setenta anos, ou colocarem-se debaixo do guarda-chuva alemão, no quadro duma defesa exclusivamente europeia. E mesmo que, como talvez viesse a ser mais provável, optassem pela manutenção do stato quo, não deixa de ser recomendável registar que bem no centro desta União Europeia em acelerado caminho de desintegração, existe um Estado, responsável pelos principais fantasmas com que a Europa se defrontou no seu passado recente, disposto a, de novo, projetar o seu poder e liderar militarmente a defesa europeia. Talvez seja chegado o momento de revisitar, para recordar, alguns dos referidos fantasmas.
by João Pedro Simões Dias | Mai 24, 2017 | Diário de Aveiro
Como era mais ou menos expectável, na passada segunda-feira a Comissão Europeia deliberou recomendar ao ECOFIN, a reunião os Ministros das Finanças da União Europeia, que Portugal fosse retirado da lista de incumpridores dos critérios da convergência subjacentes à existência da moeda única, saindo do chamado “procedimento por défice excessivo”.
Trata-se, inquestionavelmente, de uma boa notícia – daquelas a que, de há muito, não estamos habituados a receber, sobretudo se provenientes de Bruxelas e das instituições europeias e comunitárias.
Portugal, recorde-se, entrou no referido procedimento, na dita lista de incumpridores, em Outubro de 2009, na vigência do governo de José Sócrates. Demorou sete anos e meio a sair desse procedimento e a recuperar a plena condição de membro cumpridor das suas obrigações perante a União.
Está de parabéns o País; estão de parabéns os governos de Pedro Passos Coelho que trouxeram o défice de 11% para 3% e o actual governo, de António Costa, que reduziu o défice de 3% para 2%. Mas estão, sobretudo, de parabéns os portugueses, todos nós, que, em escala e grau variáveis, sofremos na pele um conjunto de medidas austeritáritas sem paralelo na nossa história recente, sujeitando-nos a um processo de empobrecimento, eufemisticamente dito de “consolidação”, sem memória nem igual.
Convém, todavia, não embandeirarmos em arco; pelo contrário, convém que tenhamos aprendido com a lição e que não nos deixemos inebriar por novos e falsos messias, impostores de alto quilate, que apareçam a prometer mundos e fundos, facilidades e novos amanhãs que cantem.
A deliberação da Comissão Europeia, que certamente não deixará de ser confirmada em breve pelo Conselho da União, constitui meio caminho andado para, se tivermos juízo, critério e exigência nas nossas escolhas, retomarmos definitivamente o rumo do crescimento económico, do aceleramento da nossa economia, condição indispensável para a geração da riqueza de que o País precisa como de pão para a boca. Poderá ser, também, o elemento que faltava para, finalmente, vermos revisto em alta o nosso rating da República pelas principais agências de notação, ponto de partida para que os nossos credores possam continuar a (re)financiar a República e a nossa dívida e em condições significativamente mais favoráveis do que aquelas que atualmente existem, aliviando de sobremaneira o serviço da nossa dívida pública que, nos anos mais recentes, tem andado por uns astronómicos 8 mil milhões de euros.
Numa altura em que a conjuntura externa que envolve a nossa economia nos sorri nas mais diversas vertentes – desde logo e a título meramente exemplificativo, com abundância de recursos a um custo deveras reduzido e um preço do petróleo assaz diminuto – e em que alguns indicadores económicos internos também parecem conjugar-se no melhor sentido possível – atentemos nos excelentes 2,8% de crescimento que registou a nossa economia no primeiro trimestre deste ano ou na acentuada redução da taxa de desemprego para números inferiores aos 10%, o que traduz a melhor taxa dos últimos 9 anos – dir-se-á que, tanto na frente externa como na frente interna, os astros se conjugam de forma anormalmente favorável para que os desideratos do país sejam alcançados e a recuperação económica deixe de ser uma miragem ou apenas uma tendência para se transformar numa realidade sustentada e consistente. Bastará, dirão alguns, não fazer asneiras e não contrariar um destino que parece favorável.
Todavia, e como ainda há poucos dias alertava o Presidente da República, impõe-se sermos cautelosos e prudentes e não nos deixarmos contagiar por euforias que quase sempre são más conselheiras. Avisado conselho vindo de Belém, sobretudo porque foi feito em dia em que alguma imprensa dava conta de que os ainda ténues sinais de recuperação económica já estavam a gerar um aumento desmesurado do crédito bancário, sobretudo às famílias e para consumo, o que estava a ter como consequência o disparar das situações de incumprimento perante as instituições bancárias. Ora, este foi um, apenas um, dos fatores incontornáveis que nos conduziu ao ponto crítico a que chegámos. Repetirmos o erro seria imperdoável. Significaria nada termos aprendido nem com os nossos próprios erros nem, sobretudo, com tudo aquilo que sofremos e por que passámos.
Mas o risco, alerte-se, não seria original. Das anteriores vezes em que Portugal esteve submetido a procedimentos de défices excessivos e se libertou dos mesmos, um ano depois estava de novo caído em tais procedimentos. Ou seja, a lição não nos serviu para nada. Espera-se, obviamente, que o erro não se repita – sobretudo porque, a repetir-se, as condições a que seríamos sujeitos seriam, fatalmente, muito mais gravosas e muito mais dolorosas. Seguramente trariam consigo novo resgate e os condicionalismos que lhe estariam associados; e que não seriam meigos nem doces. É, pois, chegada a altura de provarmos que o bom aluno de Bruxelas é, mesmo, um bom aluno e não um estudante relapso. E nesta matéria, a responsabilidade estará, toda e apenas, nas mãos do governo. Não dos anteriores, mas deste. E só deste. E na forma como vai saber reagir às próprias pressões internas da coligação governativa, que não faltarão, para voltar ao caminho do despesismo irresponsável. É aí que tudo se jogará; que tudo se decidirá.
by João Pedro Simões Dias | Mai 17, 2017 | Diário de Aveiro
Justamente no primeiro dia útil da nova presidência francesa, na passada segunda-feira, enquanto Emmanuel Macron se deslocava a Berlim para a sua primeira cimeira com a chanceler Angela Merkel visando retomar os laços do eixo franco-alemão na UE, o governo espanhol apresentou em Bruxelas um ousado plano visando a reforma da governação da zona euro. Dizem as notícias mais fidedignas que o referido plano terá sido acordado ou consensualizado por ocasião da cimeira dos países do sul da União, que reuniu em Lisboa, no passado mês de janeiro, António Costa, Mariano Rajoy (Espanha), François Hollande (França), Alexis Tsipras (Grécia), Nikos Anastasiades (Chipre), Paolo Gentiloni (Itália) e Joseph Muscat (Malta). Como já na altura se assinalou, o tema dominante desta cimeira foi a reforma da política monetária da UE, o acabamento da união económica e monetária e a introdução de mudanças e de reformas profundas na Zona Euro.
A coincidência da divulgação pública destas medidas por parte do governo espanhol com a deslocação de Macron a Berlim, não foi produto do acaso. Resulta do facto de, entre o texto consensualizado entre Madrid e Lisboa e as posições do novo Presidente francês em matéria de reforma da governação da zona euro existir uma ampla área de sintonia e consenso. Mas também zonas de dissenso e de divergência. Madrid apresentou as suas propostas em Bruxelas; Macron foi levá-las pessoalmente e em mão a Angela Merkel. No fundo, as mensagens, não tendo sido as mesmas, centraram-se ambas em torno da reforma da zona euro.
Entrando, no detalhe das medidas subscritas por Espanha e Portugal e as que são sustentadas pelo novo Presidente francês, como já se referiu, notam-se algumas divergências pontuais. Espanha e Portugal, por exemplo, defendem a criação de um orçamento anti-crise para a zona euro, um seguro de desemprego comunitário, a mutualização da dívida dos países da zona euro através da emissão de eurobonds, a conclusão da união bancária, a reforma do Pacto de Estabilidade retirando-lhe a componente “pro-cíclica” e o reforço da legitimidade democrática do Eurogrupo. Deste conjunto alargado de medidas, Macron já deu sinais de discordar, pelo menos para já, da mutualização das dívidas dos Estados da eurozona através da criação do mecanismo dos eurobonds. É uma discordância assinalável posto que, na proposta formulada por Madrid e que Portugal subscreveu, o mecanismo dos eurobonds constituía elemento fulcral e central.
Da parte do programa defendido pelo Presidente francês, por seu lado, há um elemento original – é defendida a criação de um Parlamento dos Estados da zona euro. E esta proposta parece merecer a discordância e oposição do governo português com base no argumento de que seria impossível de ser concretizada sem uma prévia conferência intergovernamental que procedesse a uma revisão dos tratados actualmente em vigor. Ora, parece defender – e bem! – o governo português que, no presente momento, não existem condições políticas que possibilitem encetar com sucesso um processo de revisão dos tratados comunitários.
Pese embora estas divergências, que se encontram quando analisamos o detalhe das medidas propostas, constatamos que, apesar das divergências mais ou menos pontuais registadas, existe uma ampla zona de convergência e de possível consenso entre as posições que estão a ser, actualmente, sustentadas pelo novo governo francês e, pelo menos, por Espanha e Portugal. Significa isto que começam a ser criadas condições mínimas para, finalmente, ser encarada de frente a questão do acabamento da estrutura institucional e de governação da zona euro – cuja falta tanto se fez sentir nos dias mais pesados da última grande crise que atingiu a zona euro.
Decerto – neste continente em busca desesperada pelo seu norte e que parece condenado a adiar as suas decisões sempre à espera da realização do próximo ato eleitoral, dificilmente serão tomadas medidas ou decisões concretas antes das próximas eleições legislativas alemãs marcadas para o próximo mês de setembro. Apesar dessa pausa forçada, e com a consciência de que antes de setembro pouco ou nada de relevante acontecerá na União Europeia, pelo menos de previsível, nada impede que determinados caminhos se comecem a trilhar e a caminhar. O da reforma da governação da zona euro e do seu acabamento será, sem dúvida, um desses caminhos.
Se, nesse debate, conseguirmos encontrar Portugal no pelotão da frente da discussão que terá de ser travada – ainda que integrado no grupo dos países ditos do Sul que regularmente se têm vindo a reunir em cimeiras regulares, no quadro das quais, por exemplo, poderão vira a ser articuladas as posições de França, Espanha, Portugal, Itália e restantes Estados-membros – só poderemos ter razões para nos congratular e felicitar.
by João Pedro Simões Dias | Mai 10, 2017 | Diário de Aveiro
Foi com algum alívio que a Europa encarou os resultados da segunda volta das eleições presidenciais francesas do passado domingo. A vitória de Emmanuel Macron era esperada, a derrota de Marine Le Pen era bastante desejada mas, à primeira vista, os números finais ultrapassaram as melhores expectativas de uns e de outros – tanto dos que desejavam a vitória de Macron como dos que ansiavam pela derrota de Le Pen. Mas esta foi a primeira e mais imediata leitura dos referidos resultados. Aquela que conferiu a tal sensação de alívio a quem se limitou a ver, pelo canto do olho, os números projectados e divulgados por televisões, rádios e jornais. Uma atenção e uma leitura mais fina e aprofundada dos mesmos conduz-nos, inevitavelmente a outro tipo de conclusões e suporta várias outras reflexões.
O primeiro dado que convém ter presente é que, apesar de termos estado perante uma segunda volta de eleições presidenciais, a taxa abstenção registada foi a mais alta desde 1969, aproximando-se dos 25%. Ou seja, um em cada quatro eleitores franceses virou as costas ao ato eleitoral e demonstrou a sua indiferença perante o que esteve em jogo. Não será de excluir que uma parte significativa dos abstencionistas haja tido origem no movimento insubmisso de Mélénchon – a esquerda radical francesa que sempre sustentou ser necessário derrotar Marine Le Pen sem, contudo, nunca se ter atrevido a recomendar o voto em Emmanuel Macron. Obtendo cerca de 20% dos votos na primeira volta e não formulando uma orientação de voto para a segunda volta, antes permanecendo no limbo da ambiguidade, é plausível que parte significativa deste eleitorado haja optado pelo voto abstencionista – uma outra e diferente forma de exercer o direito de voto.
Para além desta elevadíssima taxa abstencionista, as eleições presidenciais do passado domingo, conheceram uma anormalmente elevada taxa de votos nulos e brancos – quase 12%. Outro (anormal e negativo) recorde.
Centrando-nos nos votos obtidos pelos candidatos, Marine Le Pen, apesar de derrotada, logrou alcançar 36,5% dos sufrágios e, praticamente, 11 milhões (!) de votos. Demonstrou-se que conseguiu segurar o seu eleitorado da primeira volta e entrar em largos campos do eleitorado tradicional republicano-gaullista – a ponto de Marine ter reclamado, no seu discurso de derrota, a liderança da futura oposição. Ora, convém determo-nos um pouco neste ponto. Onze milhões de votos é score nunca alcançado pela Frente Nacional. E mesmo que, nas próximas eleições legislativas, dentro de um mês, a FN não faça o pleno deste resultado, não haverá dúvidas que obterá um resultado que lhe permitirá eleger para a próxima Assembleia Nacional um grupo parlamentar significativamente superior aos 2 deputados que têm presentemente. Um grupo parlamentar que poderá condicionar significativamente o próprio Parlamento francês e a governabilidade do país. E é este o facto que nos deve preocupar e interrogar – o que é que faz com que, num país central da Europa, com a história e a tradição de França, existam 11 milhões de pessoas dispostas a entregarem o seu voto a uma candidata nacionalista, populista e extremista? Esta é a questão que nos deve preocupar e levar a uma séria reflexão. E é uma questão que apenas foi ofuscada com a vitória de Macron – mas que não se encontra respondida nem, muito menos, resolvida. E que num prazo não muito longínquo poderá levantar sérios problemas à França e, por extensão, à própria Europa, particularmente à da União. O facto de este projecto político, com mais de 40 anos de gestação, ter sido derrotado, não nos deve tranquilizar nem apaziguar as nossas preocupações e as nossas consciências. O perigo do nacionalismo populista e extremista continua à espreita, no centro da Europa, na pátria da liberdade, da igualdade e da fraternidade – e à mínima escorregadela do funcionamento do sistema político liberal implantado nas sociedades ocidentais, a alternativa pode estar ao virar da esquina.
Centremo-nos no vencedor. Emmanuel Macron superou todas as previsões, inclusive as mais favoráveis, que lhe davam a vitória. Congregou o voto de 2/3 dos franceses; 66% do eleitorado gaulês confiou num político sem experiência política relevante a que acresceu o facto de se apoiar apenas num movimento de cidadania que terá de evoluir rapidamente para partido político para se poder candidatar às eleições legislativas do próximo mês de Junho. Estrutura-se, basicamente, em torno da antiga UDF, a que se vão juntar uma série de independentes unidos por um programa que congregou desde a esquerda democrática à direita democrática. Macron ganhou mas só agora vão começar as suas verdadeiras dores de cabeça. A primeira talvez seja logo a da nomeação do seu primeiro-ministro. Depois, a de conseguir reunir um apoio parlamentar maioritário para o seu governo. O “En Marche” – que, entretanto, já evoluiu para “La République En Marche” – se não lograr maioria absoluta no próximo Parlamento, terá de optar por se virar para a sua esquerda, onde encontrará os resquícios dum Partido Socialista desfeito e uma esquerda radical unificada em torno da “França Insubmissa”, ou para a sua direita, onde se deparará com Os Republicanos em crise de identidade e uma Frente Nacional apostada em liderar a oposição ao governo de Macron. Donde, serem grandes as probabilidades de o próximo governo de França vir a resultar duma mais que provável aliança entre o “La République En Marche” e Os Republicanos – no quadro dum parlamento mais pulverizado, mais dividido e mais fracionado. Composta sua maioria parlamentar, irá Macron ter de se centrar nos diferentes dossiers da sua governação. Atendendo às competências constitucionais do Presidente da República francesa, o dossier europeu terá de estar entre as suas prioridades. A eurocracia de Bruxelas e a generalidade dos governos europeus congratulou-se com a vitória de Macron. Este, porém, ao lado da afirmação no projeto europeu, já deixou avisos claros de que a Europa da União tem de mudar e de se reformar, sob pena de desaparecer ou se diluir. Há cinco anos, Hollande disse quase o mesmo – e depois foi o que se viu. Daí que, seja bom dar tempo a Macron para avaliarmos o seu projeto europeu, as suas ideias e a sua capacidade de mobilização da própria França para o projeto europeu. Também aqui a euforia do passado domingo pode ter sido manifestamente prematura.
Em síntese, de Paris veio um voto que serviu, apenas, para um relativo alívio face às preocupações que emergiam. Um alívio, mas apenas um alívio relativo. Pela frente vão-se deparar desafios de magnitude ainda imprevisível.
by João Pedro Simões Dias | Abr 26, 2017 | Diário de Aveiro
As eleições presidenciais do passado domingo, em França, foram, a vários títulos, umas eleições atípicas e “anormais”. Desde logo, e contrariamente ao sucedido em recentes actos eleitorais, a generalidade das sondagens e estudos de opinião acertaram em cheio nos resultados que se registaram no momento da contagem dos votos. Tem sido um dado raro e, por isso, merece relevo e realce. Claro – como se verificou um acerto, isso não constituiu notícia.
Por outro lado, se atentarmos aos resultados eleitorais comparados, há dois elementos que não podem deixar de ser realçados.
O primeiro, tem a ver com o facto de o Partido Socialista francês e o seu candidato Benoît Hamon terem tido o pior resultado eleitoral desde o longínquo ano de 1969. Nunca, desde então, o score eleitoral dos socialistas franceses desceu tão baixo como no passado domingo. Várias causas poderão justificar este verdadeiro desaire. Desde logo, o mandato desastroso de François Hollande. Aquele que, há tão-só cinco anos, era visto como o farol de esperança do socialismo democrático europeu, devido a uma série infindável de errâncias que marcaram o seu mandato, volveu-se em coveiro do Partido Socialista francês. Não se submeteu ao sufrágio presidencial, remetendo para a fogueira do eleitorado um impreparado Benoît Hamon que, jogando “à esquerda”, esbanjou o centro outrora protagonizado pela, agora, maldita “terceira via” – que um dia Tony Blair fundou e que constituiu o último momento que conferiu efetivo poder na Europa ao socialismo democrático. Hamon ficará, para a história, como o protagonista de um estertor desse mesmo socialismo democrático em França – o que, objetivamente, é um péssimo serviço prestado a esse mesmo socialismo democrático europeu.
O segundo elemento prende-se com o facto de, pela primeira vez desde 1958, data em que se fundou a atual V República francesa, a direita tradicional e gaullista não ter um candidato na segunda volta das eleições presidenciais. François Fillon, o mais bem posicionado há escassos meses, coberto por um labéu de corrupção, não resistiu a uma série de escândalos em cadeia que afetou a sua credibilidade e até a sua honorabilidade. O eleitorado que conseguiu segurar, apesar de tudo, na casa dos 20%, foi insuficiente para lhe garantir uma presença na segunda volta presidencial.
Com este cenário, a segunda volta das presidenciais, dentro de duas semanas, jogar-se-á entre dois candidatos “atípicos” mas prováveis.
De um lado, o independente centrista e europeísta Emmanuel Macron, o candidato que, sem partido, que há cerca de um ano fundou o seu movimento “En marche” e logrou ser o mais votado na primeira volta e parte para a segunda volta “confortado” com uma pluralidade de apoios que atravessa transversalmente todo o campo democrático francês, da esquerda democrática à direita democrática. Muito deste voto e muitos destes apoios são, manifestamente, votos contra Marine Le Pen. No momento da verdade, porém, não deixarão de somar para Macron.
Do outro lado – Marine Le Pen. A candidata da extrema-direita nacionalista que, pasme-se!, lidera o maior partido político francês nesta altura. É, nessa medida, uma vítima do sistema político-eleitoral gaulês. A consagração do sistema maioritário a duas voltas não lhe dá mais de 2 (!) deputados entre o 577 que compõem a Assembleia Nacional francesa – apesar de ser, neste momento, o partido político mais votado em França.
Significa isto que o próximo Presidente da República francês irá ter de trabalhar sem um partido que o suporte e que apoie explicitamente o governo que terá de apresentar à Assembleia Nacional. É uma rutura com os fundamentos e as bases constitucionais da V República. Não nos esqueçamos que quando o General de Gaulle fundou a V República francesa, nos idos de 1958, um dos pressupostos subjacente ao sistema político que a Constituição de 4 de outubro desse ano consagrou era o de que o Presidente da República e Chefe de Estado, eleito diretamente pelos cidadãos, seria uma espécie de chefe de fila ou líder de facto do partido ou movimento político que fosse maioritário na Assembleia Nacional de Paris. Enquanto líder de facto dessa maioria, designaria o seu Primeiro-Ministro o qual, depois de obtida a confiança presidencial, deveria ser confirmado pelo Parlamento. Esta estreita ligação que se estabelecia entre o Presidente, o seu Governo e a Assembleia Nacional eram, por assim dizer, a garantia da estabilidade e do funcionamento do sistema político gaulês. Quando, com Mitterrand, pela primeira vez, a sintonia foi quebrada, assistimos ao nascimento dos primeiros governos de coabitação, caracterizados, basicamente, por uma desconformidade entre as maiorias presidencial e parlamentar – com esta a impor os seus governos ao titular do Eliseu.
Mesmo essa anormalidade, porém, parece ultrapassada. Os novos tempos que se anunciam prenunciam novos e mais difíceis desafios lançados à Constituição da V República. Esta irá ser levada aos seus limites e testada como até agora nunca o foi. E pode acontecer que, quando nos apercebermos, estejamos a ser confrontados com o caminho para uma nova Constituição que funde uma nova República. Talvez já tenha faltado mais tempo.
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