O preço de uma nomeação

Há cerca de quinze dias era noticiado que Jean-Claude Junker “who is from the same centre-right political family as German Chancellor Angela Merkel – the main opponent of eurobonds – said he had been in favour of the scheme for at least four years”. E o próprio acrescetava que “In December 2010 I pleaded in favour of eurobonds together with the conservative Italian finance minister Giulio Tremonti,” he said”. Ficámos esclarecidos. Hoje, segundo se relata em Berlim, e discursando perante o Congresso da CDU alemã que prepara a candidatura europeia do Partido, “Junker referiu que não deverá haver emissão de ‘eurobonds’ nos próximos cinco anos e considerou que deve ser assim enquanto não houver uma maior harmonização da política económica e financeira em toda a zona euro”. Os quatro anos iniciais passaram para cinco e foi-lhes acrescentada uma condicionalidade suplementar: a emissão de títulos de mutualização de dívida só deverão existir com uma maior harmonização da política económica e financeira da zona euro. Ora, se o instrumento de mutualização de dívida estiver dependente dessa maior harmonização económica e financeira da zona euro estamos conversados sobre a eventualidade do seu surgimento. O curioso desta evolução do pensamento de Junker reside no facto de o próprio admitir, hoje, que é necessária a referida harmonização económica e financeira da zona euro e, ao mesmo tempo, reconhecer que, em 2010, quando essa harmonização estava muito mais distante e era uma miragem completa e absoluta, conjuntamente com o Ministro italiano das Finanças, defendeu o recurso a esse instrumento de mutualização e partilha de risco na emissão de dívida pública. Em 2010, pelos vistos, havia condições para a emissão de eurobonds; hoje, teremos de esperar pela harmonização económica e financeira. Convenhamos: há nomeações que obrigam a muita ginástica dialética.

As dificuldades de Hollande

Há muito tempo que penso e escrevo que a atual política austeritária que os grandes da Europa e as instituições europeias têm imposto aos Estados em dificuldade do Sul só mudará no dia em que esses mesmos grandes começarem a provar do seu próprio veneno e a terem de enveredar por políticas igualmente austeritárias e recessivas. Talvez nesse dia o apelo aos valores europeus, da solidariedade, da partilha, da coesão, falem mais alto, se façam ouvir e se traduzam na adoção de medidas concretas que dêem forma e corpo a esses princípios. Mas para isso acontecer será inevitável que, antes, os ditos grandes tenham de sofrer na pele um pouco do que tem sido imposto a muitos outros Estados e povos europeus. Sem que isso signifique laxismo nas contas públicas, défices orçamentais ou aumentos exponenciais de dívida pública, mas também sem uma obediência cega à teologia dos mercados e à ditadura das finanças e dos orçamentos, antes buscando uma sábia e prudente combinação de políticas que reúnam princípios e critérios de rigor e exigência com adequadas doses de estímulo ao crescimento económico e combate ao flagelo social que é o desemprego. Sempre tendo presente que o Estado existe para as pessoas e não são estas que devem estar ao serviço do Estado. A França parece ser o primeiro a ter de se defrontar com esse problema. Segundo se noticia agora o Presidente francês depara-se com uma economia a crescer 0,3% no último trimestre, mas com o desemprego acima dos 11% e o buraco fiscal por resolver. O défice de 2013 foi de 4,3% do PIB, dois pontos acima da meta decidida por Bruxelas, e segundo as previsões da Comissão, se nada fôr feito, a diferença será ainda maior este ano. Hollande terá, por isso, pedido mais tempo para cumprir as metas do défice mas a Comissão Europeia recusou e pediu-lhe para acelerar as reformas no país. Tanto Olli Rehn como o Presidente do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem, recusaram o pedido lembrando que já tinham sido oferecidos à França dois anos para estancar o buraco fiscal. Nessa medida, por paradoxal que possa parecer, ver um grande europeu a atravessar algumas dificuldades pode não ser, necessariamente, uma má notícia para a Europa…

Manuel Valls

François Hollande – esse arauto e exemplo de postura de Estado que diz que a França vive uma crise moral, parecendo querer actualizar a velha máxima de Luís XIV, o Rei-Sol, segundo a qual “L’État c’est moi” – na decorrência da varredela levada pelos socialistas do mapa autárquico francês, entregou a chefia do governo de França a Manuel Valls, um francês natural de Barcelona, francês naturalizado portanto, conotado com ala direita do Partido Socialista e, pelos vistos, mais respeitado à direita do que à esquerda onde, dois ministros do governo demitido já terão feito saber da sua indisponibilidade para integrar o governo de Manuel Valls. Essa continua a ser uma das principais contradições de que a esquerda europeia ainda não se libertou: se entende que as medidas “de direita” são melhores que as suas próprias propostas, por que diabo de teimosia insistem em tentar governar com medidas que não são suas, persistindo em aplicar políticas do adversário? Enquanto assim continuarmos, o mundo continua de pernas para o ar, a discussão política e o debate doutrinário não é difícil – é impossível.

Incompreensões constitucionais

Entre outros problemas óbvios, creio que uma das principais deficiências da governação de turno prende-se com o facto de, mesmo que a contra-gosto, ainda não ter interiorizado que tem de conviver com um Tribunal Constitucional e de não estudar a tendência jurisprudencial do mesmo, optando sempre por atuar como se aquele não existisse ou ignorando em absoluto as suas opções doutrinárias e jursprudenciais. Um princípio mínimo de cautela e uma elementar dose de prudência e bom-senso aconselhariam a levar em consideração ambos os factos e proceder em conformidade. Parece-me que tem optado quase sempre por esticar a corda. E quando esta se parte para o seu lado, resta-lhe correr atrás do prejuízo. E quase sempre a emenda tem sido pior que o soneto. Uma atitude um pouco mais humilde e inteligente ter-nos-ia poupado a muitos problemas. Passados e, presume-se, futuros.

Cavaco Silva

Cavaco Silva veio hoje afirmar não ter “nenhuma informação que aponte para a redução do rendimento disponível daqueles que foram duramente atingidos nos últimos anos, funcionários públicos e pensionistas”. E acrescentou que é mesmo “difícil”, no caso específico dos pensionistas, “continuar a exigir mais sacrifícios”. Foi a isto que a nossa imprensa deu relevo. Acontece que Cavaco disse mais. Disse que “se for necessário reduzir o rendimento disponível de alguém no futuro, tem que ser àqueles que têm elevados rendimentos e que, até este momento, não foram seriamente prejudicados no seu bem-estar”. Creio residir aqui a verdadeira mensagem dirigida ao Governo. E o essencial da intervenção presidencial. Porque, ao afirmá-lo, Cavaco está a dizer, com a autoridade política e institucional que lhe assiste, que até agora a austeridade tem sido mal repartida em Portugal. Que há quem tenha avultados rendimentos e não tenha sido afectado, em igual medida, pelas políticas austeritárias como o foram os funcionários públicos e os pensionistas. Será, seguramente, das mais fortes críticas alguma vez feitas pelo Presidente da República às políticas austeritárias governativas. Resta saber se, no futuro próximo, o Presidente da República irá ser consequente, nos atos, com as palavras que acaba de pronunciar. Não faltará muito para o sabermos.

Os apelos de Obama

Obama veio apelar à união dos EUA com a Europa contra a “força bruta” da Rússia no périplo que está a realizar pela Europa, incluindo as instituições europeias, o quartel-general da NATO e o próprio Vaticano. Não deixa de ser curioso. Quando pôde escolher, virou-se para o outro lado e assumiu o Pacífico como destino natural americano; apanhado desprevenido e a dormir, surpreendido com a ambição expansionista russa concretizada na Crimeia em prejuízo da Ucrânia, resta-lhe recordar as aulas de História que por certo teve onde deve ter aprendido que o Ocidente é matricialmente europeu e é do interesse dos próprios EUA que o Ocidente em que se integram não percam a sua matriz nem a deixem enfraquecer a ponto de a mesma se tornar irrelevante. Mais vale tarde do que nunca. Mas ainda vale muito mais se o apelo for sincero e passar das palavras aos atos.