Croácia referenda adesão à União Europeia

A Croácia vai referendar, hoje, a sua adesão à União Europeia. Se se confirmarem as previsões das sondagens, a esmagadora maioria dos croatas dará o seu «sim» à adesão. Escrevi uma vez e apetece-me repeti-lo hoje: esta União Europeia continua a assentar sobre povos de segunda e povos de primeira. Os primeiros são a imensa maioria, a quem não foi pedida qualquer opinião sobre a sua adesão à União; os segundos, os povos de primeira, são aqueles que usam a sua cidadania plenamente e a quem lhes é dado pronunciar-se sobre se querem, ou não, aderir à União. A Croácia ainda não faz parte da UE; pode vir a fazê-lo a partir de 2013. Mas ainda não estando cá dentro, já dá lições de democracia a muitos dos que cá estão desde o seu início. Saúde-se o facto, porque é digno de registo. E assinale-se, já agora, um paradoxo: pese embora atravesse a principal crise da sua existência, a UE continua a desempenhar uma imensa atractibilidade junto dos Estados que ainda não a integram. Apesar da crise. Apesar dos políticos e das lideranças que temos. E são estes pequenos nadas que ainda nos vão dando esperanças e fazendo acreditar no projecto europeu.

Uma Comissão Europeia forte com os fracos e fraca com os fortes

Sejamos absolutamente claros: a Comissão Europeia – que ordenou nesta terça-feira à Hungria que modifique as leis que põem em perigo a independência do Banco Central, dos seus juízes e da autoridade de protecção de dados, sob pena de se iniciar um processo na justiça europeia que deixará aquele país sem direito de voto – tem toda a razão, neste diferendo com a Hungria, posto que a nova legislação aprovada em Budapeste tem aspectos de muito díficil compatibilização com as regras do Estado de direito democrático que devem estar subjacentes à pertença de qualquer Estado à União Europeia, desde a consagração dos célebres critérios de Copenhaga de 1993, estabelecidos na Cimeira do Conselho Europeu de Dezembro desse ano, e posteriormente ratificados e renovados em diferentes momentos e situações. A questão, aqui, é outra – a questão é que, nestes tempos conturbados que vivemos na Europa a que ainda se chama da União, não vimos nem escutámos Durão Barroso e os seus pares falarem igualmente tão de alto e tão assertivamente quando foram outros os Estados que incumpriram preceitos e normas dos Tratados e da boa prática institucional europeia; quando foram outros os Estados que passaram por cima das instituições europeias e apostaram na política do directório para a Europa; quando foram outros os Estados que violaram normas e princípios estruturantes do ordenamento jurídico comunitário, como a regra da igualdade jurídica entre os Estados ou o princípio da solidariedade entre eles. Ou seja – perante os fracos e os pequenos, a Comissão Europeia de Barroso «ousou» ser forte e falar alto; ameaçar com processos e intervenção do Tribunal de Justiça. Perante os grandes e os fortes, acomodou-se, conformou-se, saiu de cena, rastejou…. Não é isso o que se espera duma Comissão Europeia. Para não destoar do ambiente geral por que passa esta União, também esta Comissão Europeia parece que se vê esgotar muito rapidamente o seu prazo de validade.

Primeiro-Ministro italiano ataca o “eixo franco-alemão”

Numa entrevista ao jornal Die Welt, Mário Monti diz que Angela Merkel e Nicolas Sarkozy cometem um erro grave se pensam que podem dirigir a União Europeia sozinhos. O primeiro-ministro italiano reclamou um maior protagonismo da Itália e de outros Estados no debate sobre a crise da dívida, defendendo que a União Europeia não pode ser dirigida apenas pela Alemanha e a França. Lentamente, um a um, os líderes desta Europa que temos, que ainda vai sendo chamada de União pese embora esteja cada vez mais desunida, vão reagindo e vão criticando o duopólio que tem pretensões a exercer a governança europeia, sem para o efeito estar dotado de qualquer mandato ou legitimidade que não a (aparente) força das suas economias. É, também, aqui, uma hierarquia (nova) de poderes que se vai estabelecendo, com a diferença (relativamente a hierarquias precedentes) que esses poderes já não são aferidos pela capacidade bélica mas por critérios económicos. O que há de novo aqui, e que não deixa de ser curioso, é que essas críticas começam a ouvir-se dos próprios vassalos que os suseranos dos tempos modernos colocaram à cabeça dos Estados, um pouco à semelhança do que acontecia com os senhores feudais de antanho, passando por cima da voz e da vontade daquele que se continua a afirmar como o soberano supremo, essa entidade cada vez mais difusa e difícil de definir chamada «povo». Parece que a última manifestação do facto vem de Itália, através da voz de Mário Monti, o Primeiro-Ministro escolhido por Mercozy para governar aqueles territórios. Bem-vindo seja, pois, ao clube!

A “orbanização” da Hungria

A Hungria, e Budapeste em particular, vivem uma noite a ferro e fogo, marcando a entrada em vigor de uma nova Constituição. Há manifestações nas ruas, notícias de desacatos, oposição dividida apenas unida nos protestos contra o novo texto constitucional. Pouco importa saber se este é de esquerda, de centro ou de direita. É um texto ideologicamente marcado e isso é suficiente para deixar de ser um factor de união para se transformar num instrumento de desunião e de querela. É o destino fatal e inevitável de todas as constituições que se pretendem dirigentes e aspiram a trilhar e indicar um caminho para as sociedades e um rumo para os Estados. Têm todas de comum, entre si, o facto de durarem, inevitavelmente, pouco tempo e acabarem por ser substituídas e revogadas. Umas vezes a bem, outras nem tanto. No caso vertente da Hungria, não deixa de ser preocupante que à grave crise financeira do Estado se some uma dispensável querela constitucional. Sobretudo quando muitos dos aspectos apontados à nova Constituição deixam muitas dúvidas sobre o respeito por princípios e valores subjacentes à pertença à própria União- E não somos nós a afirmá-lo – Bruxelas já reparou no facto e já deixou expressas algumas reservas…

Presidência dinamarquesa da União Europeia

Começa hoje, 1 de Janeiro de 2012, estendendo-se por mais um semestre, a presidência rotativa e de turno do Conselho [de Ministros] da União Europeia exercida pela Dinamarca. Infelizmente, nada nos leva a crer que seja muito diferente, para melhor, das que a antecederam. Já lá vão os tempos em que os semestres em que cada Estado estava incumbido de presidir à União Europeia constituíam momentos mobilizadores do respectivo empenho em prol do ideal europeu. Hoje, após a entrada em vigor do Tratado de Lisboa e com a institucionalização de um Presidente permanente para o Conselho Europeu, as presidências de turno estão desvalorizadas e secundarizadas. Dá por elas apenas quem, por dever de ofício, tenha de estar atento ao que se vai passando pela Europa. Para o cidadão europeu médio e comum, mesmo dos Estados que as exercem a cada semestre, são absolutamente irrelevantes. Como um dia se virá a constatar, sem medo de contradita, o Tratado de Lisboa redefiniu os poderes e a hierarquia entre os Estados-Membros da União, abrindo de par em par as portas ao directório das grandes potências e dos grandes Estados, deixando para segundo plano esse princípio verdadeiramente estruturante do projecto inicial comunitário que era o da igualdade entre os seus Estados-Membros. Igualdade apenas formal – dirão os partidários da realpolitik. Seja. Mas mesmo no plano formal o princípio está a ser subvertido a cada dia que passa. E isso não é bom para o projecto europeu nem pode augurar nada de bom à própria Europa da União.

Vaclav Havel. In memoriam

Faleceu hoje Vaclav Havel, figura primeira do europeísmo da resistência e artífice principal da Revolução de Veludo que, sem quebrar um vidro ou derramar uma gota de sangue, derrubou um governo, ruiu um sistema e cindiu um país. Em texto académico publicado, dedicámos-lhe as seguintes palavras:
O fim da guerra–fria e o longo período de declínio que antecedeu esse final não pode, porém, ser apenas imputado à importante ação des­en­volvida por um pu­nhado de esta­dis­tas que as circunstâncias colocaram no go­verno dos seus Estados em momento si­multâneo. Porque o sistema bi­polar ruiu a leste, justamente a leste esse facto não pode ser dis­sociado de uma importan­te batalha travada por povos mudos e oprimidos que bus­cavam a verdade e a autenticidade. Para o efeito invoca­vam valores rela­ti­vizados a oci­dente por­que mal compaginados com uma sociedade de con­sumo em que o ter prevalece so­bre o ser. Como no­vos projetistas da paz deste fim de século, recorreram ao único po­der à sua disposição — o poder do verbo — para enfrentarem o Estado que oprimia e o partido que con­trola­va. No seu conjunto formaram uma autên­tica Internacional de Dissiden­tes que co­me­çou a ganhar forma e es­trutura com a pu­blicação, em Ja­neiro de 1977, em Praga, da Carta 77 e que se desen­volveu com a reunião ocorrida algures na fronteira polaco–checa en­tre dissi­dentes de ambos os países em Agosto de 1978. No movimento assume pro­ta­go­n­ismo espe­cial Vaclav Havel — o dra­maturgo que a Revolução de Veludo colo­cará à fren­te dos desti­nos da Checoslováquia e, após a sua se­ces­são, da novel Repú­blica Checa. As preocu­pações dos cartistas eram bem definidas e nada ti­nham a ver com as que ocupa­vam os espíritos ociden­tais: ante a deca­dên­cia que lhes era dado conhecerem, proclamam a sua iniciativa, antes de tudo, como uma iniciativa ética que reconhece o primado da con­sci­ên­cia moral indivi­dual sobre a razão–de–Esta­do. Es­sen­cialmente porque, no di­zer de ou­tro dos seus ex­po­entes, o filósofo re­sis­tente Jan Pato­cka — que decerto não esquecera o exemplo do seu compatriota, o estudante Jan Palach, auto–emulado na Praça de S.Wenceslau em Varsóvia porque era urgente protestar contra a sovieti­zação do seu país — há coisas que merecem que se so­fra por elas. Nesta cru­zada pela palavra livre e pelo di­reito de expressão e pen­samen­to, assumi­rá desta­que outro texto de Havel — «O po­der dos sem po­der» ana­lisa o fenó­meno da dissi­dência nos países co­munistas e re­toma teses da Carta apa­recida um ano an­tes.